O fato de o superávit primário do setor público ter alcançado o equivalente a 1,73% do Produto Interno Bruto (PIB) de janeiro a abril, bem acima da meta anunciada inicialmente pelo governo, de 1,2% do PIB - depois reduzida para 1,1% em razão da revisão dos valores do produto bruto -, e quase metade da meta em valores nominais para todo o ano pode levar a conclusões enganosas. Ao contrário do que esses números sugerem, a situação financeira do setor público continua muito ruim, e isso ficará claro nos próximos meses. É quase inevitável que, no segundo semestre, as despesas cresçam ainda mais depressa do que estão crescendo e que as receitas encolham por causa da paralisia da economia, ampliando o déficit nominal e reduzindo o superávit primário como proporção do PIB. Em resumo, continua muito difícil, para o governo, cumprir a meta fiscal prometida.
Em valores nominais, como informou o Banco Central na sexta-feira passada, as contas públicas acumularam no quadrimestre um superávit primário - o dinheiro necessário para o pagamento dos custos da dívida pública, para evitar seu crescimento - de R$ 32,448 bilhões, o que corresponde a 48,9% da meta nominal de R$ 66,3 bilhões a ser alcançada por todos os níveis de governo e pelas empresas estatais até o fim do ano. Em abril, o resultado primário foi positivo em R$ 13,445 bilhões, o melhor desde janeiro (quando o superávit primário alcançou R$ 21,06 bilhões) e bem superior ao de março, de apenas R$ 239 milhões (o pior para o mês desde 2002).
Observe-se que o governo central (governo federal mais Banco Central) respondeu por menos da metade do resultado primário acumulado (0,83% do PIB), cabendo aos governos regionais (Estados e municípios) uma fatia maior (de 0,92% do PIB). É pouco provável que, com suas receitas também fortemente comprimidas pela desaceleração da atividade econômica, os governos estaduais e as prefeituras consigam manter seu superávit primário em níveis tão altos como o registrado nos quatro primeiros meses do ano.
No caso do governo central, o que os dados dos últimos anos mostram é um desempenho fiscal melhor no início do ano. Como observou o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, “o fim do ano é sempre pior” em termos de superávit primário. Há tributos cuja arrecadação é sempre maior no início do ano, como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, e há despesas típicas do segundo semestre, como o pagamento do 13.º salário do funcionalismo público.
Mas não é só a sazonalidade que torna mais sombrias as expectativas para as contas públicas daqui até o fim do ano. Embora melhores do que se esperava, os resultados dos primeiros quatro meses de 2015 são inferiores aos de igual período do ano passado, quando o superávit primário foi 31% maior, tendo atingido R$ 42,527 bilhões. Ainda assim, o resultado acumulado de 2014 foi um déficit primário de R$ 32,536 bilhões, o que deu a dimensão do desastre da política fiscal do ano em que a presidente Dilma Rousseff concorreu à reeleição. A comparação mês a mês mostra que a piora em relação a 2014 é constante.
Se se considerar que, para dar credibilidade à meta fiscal anunciada para este ano, o governo federal se comprometeu a cobrir a parcela do superávit primário que não for cumprida pelos Estados e municípios, tem-se uma ideia mais clara das dimensões de sua tarefa.
Ainda que, com algum otimismo, se admita que, apesar dos números conhecidos e das dificuldades previstas para os próximos meses, o setor público alcance a meta do superávit primário, dúvidas sobre a eficácia da política fiscal persistirão. Como as despesas continuam a crescer vegetativamente ou por decisões irresponsáveis e as receitas não se recuperam na velocidade desejada nem mesmo com as medidas de ajuste propostas pelo governo, começa a parecer insuficiente o anunciado contingenciamento de R$ 69,9 bilhões de recursos orçamentários.
Se o cumprimento da meta fiscal e a execução dos cortes de despesas já pareciam difíceis, os dados e as projeções tornam a tarefa do governo ainda mais complicada. A recuperação da economia seria de grande valia, mas a produção se contrai.