Depois de trocar marcas caras pelas mais baratas para driblar a inflação, os consumidores decidiram cortar a quantidade de produtos do carrinho de compras. E, mesmo assim, a conta ficou mais salgada na hora de passar pelo caixa do supermercado.
Levantamento da consultoria Kantar Worldpanel mostra que as famílias reduziram em 8% o volume de bens não duráveis –alimentos, bebidas, produtos de higiene, beleza e limpeza– comprados no primeiro trimestre do ano frente a igual período de 2014.
Editoria de Arte/Folhapress |
Na hora de pagar a conta, porém, a compra mais modesta do início deste ano custou 1% a mais do que a de um ano atrás, que tinha um carrinho com uma quantidade maior de mercadorias.
"O problema é que esses produtos ficaram em média 9% mais caros no período. Ou seja, os consumidores teriam que ter cortado mais para conseguir realmente ter uma conta menor", explica Christine Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel.
Moradora do Leblon, na zona sul do Rio, a empresária Denise Malta, 47, ilustra o comportamento desses consumidores. Com a economia ruim e custos crescentes, ela reviu os gastos e fala em racionalidade no consumo.
"Os preços subiram muito. Então estamos comprando aos poucos, um pouco de tudo, evitando desperdício em casa e focando sempre nos produtos mais essenciais", diz Denise, que vive com o marido e dois filhos.
MENOS BEBIDAS
Os consumidores reduziram principalmente o consumo de bebidas –13% a menos. Entre os itens menos procurados estão leite de soja e suco congelado.
As outras categorias também perderam espaço, como alimentos (-5%), higiene e beleza (-4%) e limpeza (-4%).
"Em geral, a variedade de produtos não foi reduzida. O que aconteceu é que os produtos foram comprados em menor quantidade, há realmente uma racionalização", explica Christine, da Kantar.
Para chegar aos números, a consultoria britânica escaneia os produtos e a nota fiscal dos consumidores em 11.300 residências em todas as regiões brasileiras e de diferentes níveis sociais.
Além de preços salgados, consumidores repensam as compras num momento de piora do mercado de trabalho e do salário. A renda real caiu 2,8% na passagem de março para fevereiro, o pior resultado em 12 anos.
"O consumidor está inseguro com a recessão, com o orçamento limitado. Ele não quer aumentar o gasto. Então reduz as compras do que não é essencial" diz Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Um indicador claro disso foi a queda de 1,5% no consumo das famílias no PIB no primeiro trimestre deste ano. Foi o pior resultado desde o quarto trimestre de 2008 e o principal responsável pela queda de 0,2% do PIB no primeiro trimestre do ano.
PERFIL
Apesar do perfil diferente de consumo, as classes A, B e C se esforçaram para reduzir a quantidade de produtos comprados. O resultado foi o mesmo: levaram menos, pagando mais ou quase o mesmo valor.
As famílias de classe A e B cortaram 9% do volume de produtos comprados de janeiro a março, em comparação ao mesmo período do ano passado. O valor gasto caiu apenas 1% no período.
Esses consumidores reduziram a compra de produtos como lanche pronto, fraldas descartáveis, leite pasteurizado e suco congelado.
Para eles, a compra de bens não duráveis representa uma parcela relativamente pequena do orçamento: 19%. Os serviços são os que mais pesam no orçamento.
"Eles preservam serviços como colégio do filho, o curso de inglês, o plano de saúde", afirma o consultor Eugenio Foganholo, especialista em varejo da Mixxer.
É claro que não existe regra. Enquanto Denise economiza, outros gastam mais. Na quinta-feira (28), a empregada Maria José de Freitas fazia compras num supermercado do Leblon para o patrão. O carrinho estava cheio.
"Eu falei para ele que estava difícil fazer a compra da semana com R$ 250 e ele aumentou para R$ 300. Além disso tem a compra do mês, de R$ 1.200. Não cortamos nada", disse Maria José.
Realidade bem diferente da classe C, que cortou em média 10% do volume comprado. O valor gasto, porém, cresceu 1% de janeiro a março, em relação ao mesmo período do ano passado.
Para a nova classe média, bens não duráveis respondem por 29% do orçamento. Os produtos com maior queda na compra foram leite fermentado, produtos para barba, água de coco, chá pronto e leite pasteurizado.
As classes D e E, cuja cesta é composta de produtos mais essenciais, cortou menos o volume de produtos: 4%, segundo a pesquisa.
Assim, o gasto seguiu crescendo (5%) neste primeiro trimestre.