Henry Kissinger dizia que as rivalidades entre acadêmicos eram profundamente violentas. Por um motivo paradoxal: normalmente, é muito pouco o que está em jogo.
A frase tem a sua piada –e a sua verdade. Kissinger, professor em Harvard, teve que lidar com a política externa do presidente Richard Nixon. Coisas ligeiras, como a aproximação dos Estados Unidos à União Soviética e à China, sem falar desse passeio pelo campo chamado Vietnã. É natural que, relembrando as rivalidades entre os seus pares universitários, esses duelos não tivessem, digamos, a mesma leveza de uma China comunista ou de um Vietnã em chamas.
Fatalmente, muitos acadêmicos que se cruzam comigo não conhecem a observação de Kissinger. E falam sobre os colegas com uma brutalidade invejosa que, na maioria das vezes, me leva imediatamente para a biblioteca em busca das obras que eles invejam. Fatal: quase todas valem o tempo e a leitura.
Mas o melhor é presenciar o encontro do invejoso com o ser invejado: os elogios do primeiro ao segundo –e, lá pelo meio, perguntas cordatas sobre a família, os filhos, os pais. E, claro, um comentário simpático sobre a última obra publicada– e algumas perguntas ansiosas sobre a obra futura.
É nesses momentos que também eu invejo o invejoso: manter a pose enquanto o diabo da inveja nos corrói por dentro mostra um tal talento comportamental que qualquer motivo para inseguranças ou ciúmes é um fenômeno francamente a despropósito.
Contardo Calligaris escreve excelente coluna na Folha ("Ter mais e ter menos", 28/5/2015) sobre a velha dicotomia entre "ser" e "ter". As pessoas definem-se por aquilo que "são" ou por aquilo que "têm"?
Alguns leitores escreveram ao colunista, lamentando o culto da posse e a amnésia do ser. O mundo seria um lugar mais habitável se as pessoas se definissem por aquilo que "são" e não por aquilo que "têm".
A essas inquietações, Contardo Calligaris responde (e bem) que o dilema não sobrevive a uma inquirição histórica rápida: tempos houve em que os homens nada tinham e se limitavam a ser quem eram. Será que a humanidade gostaria de regressar a esses tempos cavernícolas?
E, sobre o desejo de "ter", o colunista deixa um aviso aos leitores: o crime não é explicável, nem desculpável, pela ambição de "ter" bens materiais prosaicos. Até porque a ambição de "ter" inicia novos ciclos de desejo quando se adquire aquilo que se desejava antes.
Paradoxalmente (ou talvez não), o grande crime é continuamente praticado por aqueles que têm mais do que a conta.
Claro que, para sermos rigorosos, a dicotomia atual dos países ocidentais já não está apenas no "ter" ou no "ser". É preciso incluir o "fazer" na equação. Todos os dias, em qualquer contexto social, a primeira pergunta que me dirigem não é quem sou, muito menos o que tenho. A primeira pergunta é saber o que faço.
A melodia é tão cômica e previsível que já nem espero pela pergunta. Digo o meu nome e, logo a seguir, o que faço. Mas, pelo sim, pelo não, admito em breve acrescentar também todos os bens materiais que fui acumulando em quatro décadas de existência–das primeiras fraldas às últimas cuecas.
A BBC informou que os políticos, aos domingos de manhã, não devem ser incomodados. Quando li a notícia, aplaudi a trégua: haverá coisa mais bela do que despertar a um fim de semana e não ter que escutar o mesmo político que destrói a paz durante todos os restantes dias da semana?
Enganei-me. A política da BBC é não incomodar os políticos quando eles falam. No fundo, permitir que aos domingos de manhã o político possa abrir a boca sem necessidade de fechá-la. E o jornalista como testemunha –ou como múmia.
Dito assim, o cenário cheira a tortura. Mas talvez o objetivo da BBC seja permitir que os ouvintes da Radio 4, confrontados com um político que nunca mais se cala, possam ser embalados pelo som da criatura e compensar todas as horas de sono que não tiveram durante a semana.
Bem vistas as coisas, o domingo sempre foi um dia de descanso.
Nunca tinha conhecido uma vegetariana fanática. Sim, já almocei ou jantei com vegetarianos racionais –gente que prefere saladas a picanha por motivos de saúde, paladar ou, no limite, compaixão pelos bichos.
Mas uma vegetariana fanática sobe um degrau na escadaria da loucura: ela recusa a carne e exige que todo mundo siga o seu exemplo. Pelo meio, declara que "o cheiro a carne dá náuseas" e, nos seus melhores dias, "quem come carne é homicida".
Na noite passada, organizei um pequeno jantar de despedida. E, sem perguntar pelas preferências gastronômicas dos comensais, cozinhei um impressionante naco de vitela.
Uma das convidadas nem sequer entrou no apartamento. Como se o cheiro –divino– da carne fosse uma ameaça à sua sanidade mental, aliás inexistente.
Quando soube do real motivo da desistência, ainda enviei uma mensagem de celular: "Você se importa que eu coma a sua dose?"
Não obtive resposta, mas não perco a esperança.
E por falar em comida: a "Fishlove", projeto fotográfico (e militante) de um artista qualquer, lançou uma campanha em que atrizes várias surgem despidas –e com peixes ou mariscos a cobrir as partes pudibundas.
Até aqui, tudo bem. Ou tudo mal, se pensarmos que Judi Dench, aos 80 anos, participou da campanha, segurando uma lagosta que lhe cobre o tronco pelado.
A ideia da "Fishlove" é promover a "pesca sustentável", embora eu desconfie que o objetivo é outro: garantir o vômito insustentável e, tendo a imagem de Judi Dench na cabeça, nunca mais tocar em lagosta para o resto da vida.
Se esse era o objetivo, missão cumprida, rapazes.