sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Flávio Gordon - 'A BBC mentiu. A Globo governa'

A imprensa contemporânea transformou-se num departamento de propaganda e desinformação


BBC — Diretores pedem demissão após revelação de manipulação em reportagem sobre Trump | Foto: Shutterstock 

O episódio recente em que a BBC — outrora símbolo universal da “imparcialidade jornalística” — foi flagrada adulterando o discurso de Donald Trump é um acontecimento de rara importância moral. Por um instante, o mundo inteiro pôde enxergar o que observadores menos distraídos vêm apontando há anos: a imprensa contemporânea, herdeira bastarda do Iluminismo e da Revolução Francesa, transformou-se num departamento de propaganda e desinformação. Hoje, é paga não para levar a realidade ao público, mas para cavar um abismo intransponível entre este e aquela. 


BBC — outrora símbolo universal da “imparcialidade jornalística” — foi flagrada adulterando o discurso de Donald Trump | Foto: Shutterstock

Como mostra a matéria de Isabela Jordão, a BBC suprimiu trechos essenciais de um discurso no qual, em 6 de janeiro de 2021, Trump conclamava manifestantes a “apoiar pacificamente” senadores e deputados republicanos. Ao editar o vídeo, os desinformantes profissionais omitiram a menção aos congressistas e trocaram o verbo “apoiar” por “lutar com todas as forças”, criando artificialmente a impressão de que o então presidente incitava a invasão do Capitólio. 

Eis aí uma manipulação digna dos veículos oficiais em regimes totalitários. Ninguém esperava ver a BBC rebaixada ao status de um Pravda ou de um Granma. O escândalo foi tão gritante que, no Reino Unido, produziu reação institucional: o Parlamento exigiu explicações; os chefes da emissora, envergonhados, renunciaram; e o presidente americano, com razão, anunciou um processo de US$ 1 bilhão por difamação. Ao que parece, o crime de manipular a verdade ainda causa algum constrangimento no mundo civilizado. Mas não no Brasil.


O diretor-geral cessante da BBC, Tim Davie, chega à sede da BBC Broadcasting House após sua renúncia e a da diretora-executiva da BBC News, Deborah Turness, em decorrência de acusações de parcialidade na emissora britânica, incluindo a forma como editou um discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, em Londres, Grã-Bretanha, 11 de novembro de 2025. Foto: Reuters/Hannah McKay 

Se, lá fora, a manipulação midiática britânica choca, aqui ela é rotina de redação. As mentiras da imprensa autoproclamada “profissional” tornaram-se parte estrutural, e já naturalizada, de um mecanismo totalitário de perseguição política e imposição de consenso. 

O mais grave no caso brasileiro é que, aqui, a falsificação midiática se  converte em fundamento jurídico. Quantos inquéritos e procedimentos ilegais conduzidos por nossos juristocratas do STF e do TSE não tiveram origem em matérias mentirosas — como a infame peça de denuncismo de Guilherme Amado, do portal Metrópoles, que resultou na prisão política de Filipe Martins? 

E quantas não foram as matérias subsequentes, encomendadas justamente para, mediante o assassinato de reputação da vítima, normalizar e justificar a perseguição disfarçada de decisão judicial?




A BBC mentiu sobre Trump — e caiu em desgraça. Já a Globo mente sobre o Brasil — e recebe mimos e patrocínios oficiais. Em vez de afastados, seus desinformantes profissionais são premiados e condecorados. Eis uma diferença civilizacional. A imprensa britânica, ainda que decadente e envolta numa cultura suicida, sente-se obrigada a preservar ao menos as aparências de ética profissional: quando é apanhada com a mão amarela, tenta escondê-la. A brasileira, ao contrário, exibe a mão amarela como troféu, tratando a manipulação como ato de bravura. 

Em vez de autocrítica, a reação dos nossos radicais de redação, quando flagrados mentindo, é o refúgio num corporativismo histérico, autoindulgente e quase psicótico, que os alheia não só do público, mas da própria realidade. Que uma professora universitária de jornalismo, como Sylvia Moretzsohn, defina a profissão como a arte de “pensar contra os fatos” é sintoma eloquente desse estado terminal.


Os desinformantes brasileiros têm as costas quentes. Há todo um sistema pseudo-judiciário que depende das peças de manipulação por eles produzidas.


A Rede Globo e seus satélites – Folha, Estadão, UOL, CNN e outros templos do antijornalismo — transformaram a manipulação em engrenagem estrutural do poder. Em vez de relatar os fatos, produzem-nos. Os extremistas de microfone já não se dão ao trabalho de fiscalizar o Poder: preferem exibir, com orgulho (entre uma troca e outra de mensagens com juristocratas, entre um convescote e outro na casa de Kakay ou Zé Dirceu), a carteirinha de pertencimento ao clube. Com a chancela dos camaradas togados, converteram-se numa verdadeira polícia do pensamento, dotada da prerrogativa de decretar o que é “verdade” e o que é “desinformação”, quem é “democrata” e quem é “terrorista”.


A Rede Globo e seus satélites – Folha, Estadão, UOL, CNN e outros templos do antijornalismo — transformaram a manipulação em engrenagem estrutural do poder - Foto: Shutterstock  

O que a BBC faz de vez em quando, a Globo faz o tempo todo — chegando até ao cúmulo de inverter gráficos para ocultar a alta de popularidade de um adversário político. Quando uma operação judicial de conotação política é lançada contra o inimigo da hora, lá estão os telejornais, munidos de vazamentos seletivos, prontos para fabricar o consenso moral que sustentará a “decisão técnica” do ministro da Suprema Corte. O despacho vem pronto: basta copiá-lo da escaleta. 

Conclui-se, pois, que o caso BBC vs. Trump não é apenas um escândalo estrangeiro: é o espelho invertido do nosso abismo. Lá, ao que tudo indica, a manipulação será punida depois de exposta. Aqui, ao contrário, o punido será quem a denunciar. Os desinformantes brasileiros têm as costas quentes. Há todo um sistema pseudojudiciário que depende das peças de manipulação por eles produzidas. A BBC mentiu. Mas a Globo governa

Revista Oeste