sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Três homens, uma mulher e um destino - Moraes, Dino, Zanin e Cármen Lúcia se juntam na História Nacional da Infâmia

 

Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Flávio Dino | Foto: Montagem Revista Oeste/STF


J osé Dirceu é desde a juventude uma usina de ideias de jerico. Foi inaugurada em 1968, quando botou na cabeça que o congresso da União Nacional dos Estudantes, com mais de mil participantes, tinha de ser realizado — clandestinamente — num sítio em Ibiúna, lugarejo perto de São Paulo. Dirigentes menos amalucados propuseram que o encontro ocorresse no campus da USP e às claras, o que talvez inibisse ações policiais. Dirceu manteve a decisão e deu no que deu. No primeiro dia, a chuva impenitente e a falta de acomodações com telhado submeteram a uma madrugada medonha centenas de jovens enrolados em ponchos. No segundo, alertada por moradores intrigados com o que viam, a PM invadiu o lugar e prendeu todo mundo. Dirceu teria ficado muito mais tempo na gaiola se não tivesse sido incluído no grupo libertado por exigência dos sequestradores do embaixador americano. 

A fábrica de imbecilidades seguiu funcionando. O mineiro de Passa Quatro diplomou-se com o codinome Daniel num cursinho de guerrilha em Cuba, providenciou sucessivas mudanças de identidade, redesenhou o rosto com bisturi para tornar o nariz adunco e depois para retificá-lo e ameaçou derrubar o governo militar chefiando um grupo de guerrilheiros rurais até optar por quatro anos de sossego em Cruzeiro do Oeste, no Paraná. Disfarçado de dono de loja, casou-se com uma moça rica e gerou o filho que mais tarde viraria deputado com o codinome Zeca Dirceu. Só depois da anistia de 1979 retomou a vida que o transformaria, por decisão dos soldados rasos do PT, no guerreiro do povo brasileiro. Nos anos seguintes, mais de uma vez ele ameaçou enquadrar os reacionários “com uma ampla mobilização de movimentos sociais”. Uma tropa comandada por Dirceu só conseguiria matar de riso os atacados.


José Dirceu | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil


A mais recente performance mostrou que o trapalhão vocacional criou algum juízo, mas está longe da cura. Foi ele quem sugeriu que o PT promovesse neste Sete de Setembro uma manifestação na Praça da República. A escolha do local informa que o organizador anda menos imprudente. Atulhado de árvores, o local escolhido impossibilita fotos aéreas, com ou sem o uso de drones. Como os presentes são invisíveis, qualquer cálculo serve. O PT e o Psol, organizadores do comício mequetrefe que se apresentou com a alcunha “Grito dos Excluídos”, juram que a plateia reuniu 8 mil espectadores. O problema é que Dirceu, ao anunciar o objetivo do evento, reincidiu na soberba: “Vamos mostrar que a esquerda domina as ruas”, jactou-se. “Temos de juntar muito mais gente que a extrema-direita na Paulista”. 

Danou-se de novo: uma multidão de brasileiros decidiu reafirmar que a oposição é majoritária nas ruas (e em qualquer disputa que não tenha como árbitros ministros do Supremo). Muitíssimo mais numerosa, a manifestação na avenida demonstrou que, em 2026, a derrota do consórcio PT-STF será mais desmoralizante que a ocorrida nas mais recentes eleições municipais. Outro sinal de perigo para os donos do poder foi a assimilação pelos participantes da palavra de ordem essencial: “Anistia já”. 

Ao longo da semana, dominado pelo julgamento do golpe de Estado imaginário, Dirceu festejou a confirmação do diagnóstico, feito depois de outra temporada na prisão, em que localizou dois erros que impediram o fortalecimento dos governos do PT. Primeiro: “Devíamos ter promovido oficiais das Forças Armadas que simpatizam conosco”. Segundo: “Devíamos ter indicado para o Supremo, desde 2003, gente afinada conosco e mais jovem”. 

A composição do STF avisa que a ideia vingou. Dias Toffoli, ex-assessor de Dirceu, ex-advogado do PT e exchefe da Advocacia Geral da União, tem 57 anos. É a mesma idade de Flávio Dino, ex-ministro da Justiça de Lula, que se orgulha da primeira infiltração de um comunista na corte. Os dois ficarão por lá mais 18 anos. Só perdem para Cristiano Zanin, principal advogado de Lula. Com 49 anos, ficará mais 26 na cúpula do Judiciário. 

Conversões surpreendentes e trapaças da sorte engordaram a bancada majoritária orientada por Gilmar Mendes. Carmen Lúcia vem fazendo há muito tempo o que ordena o decano com quem antes vivia duelando. Indicado por Michel Temer, Alexandre de Moraes virou líder da bancada governista. Luís Roberto Barroso, que até recentemente não disfarçava a antipatia por Gilmar Mendes, já não enxerga pitadas de psicopatia no mais antigo integrante da corte. Os eminentes colegas trocaram o bate-boca por elogios recíprocos. Tais movimentos ajudam a explicar a solidão de Luís Fux no julgamento do golpe que não houve. É uma solidão que engrandece. Único juiz de carreira a vestir a toga, só Fux agiu como um genuíno magistrado.


Ministro Luiz Fux | Foto: Gustavo Moreno/STF


No momento, a maioria do STF dá piruetas à beira do penhasco — sem sequer verificar se existe alguma rede de proteção metros abaixo. A reiteração da arrogância só serve para consolidar, entre milhões de democratas inconformados, duas certezas. Primeira: é preciso eleger senadores dispostos a mostrar que o Supremo não existe para governar o país. Segunda: todos os caminhos que podem levar o país de volta à normalidade passam pela anistia. Já. 

No histórico voto, Fux fez mais que desmontar a indigente peça acusatória parida pelo procurador-geral da República. Também reduziu a escombros o monumento ao autoritarismo insano erguido por Moraes. Escancarou a nudez debochada do Rei Momo do Maranhão. Fotografou em alta resolução a cabeça baldia de Cristiano Zanin. E definiu o destino de três homens e uma mulher que, com a imposição de penas absurdas a réus septuagenários, garantiram uma vaga na História Nacional da Infâmia. Os quatro cabem num asterisco. Não merecem mais que isso os inventores da prisão perpétua à brasileira. 

Augusto Nunes - Revista Oeste