Vamos deixar claro, desde já, a seguinte realidade evidente por si mesma: o Brasil tem de voltar a trabalhar. Não se trata de tomar partido numa guerra, nada santa, entre o presidente da República e a sua crescente constelação de inimigos — um monte de governadores, a parte da mídia que ainda aceita ser chamada de “grande”, as classes intelectuais superiores e, agora, uma variedade cada vez maior e inferior de classes. Ou o país começa de novo a produzir, o mais rápido possível, e cada vez mais gente sai de casa e retorna ao trabalho, ou daqui a pouco não vai haver mais Brasil nenhum. No fundo, há uma pergunta só a responder. O que pode causar mais destruição: o coronavírus ou as medidas que estão sendo tomadas para combater o coronavírus?
Uma coisa é certa, e muito ruim.
O medo, como se sabe desde o tempo das cavernas, é um mal contagioso; espalha-se com a rapidez dos piores vírus, e faz grande parte das pessoas parar de pensar e se entregar à compulsão de copiar o que os outros estão fazendo. É muito ruim para o boi, nos casos de estouro da boiada. É péssimo para o ser humano, quando o medo conquista os que têm o poder de mandar nele. Esse contágio é especialmente maligno numa questão de saúde pública, porque o medo anula a ciência. Em ciência dois mais dois são sempre quatro. Aqui, não: uns acham que são cinco, outros acham que são sete. Os que mandam em nós estão aprendendo, no melhor dos casos, às nossas custas. No pior, não estão aprendendo nada: ficam com suas opiniões, apenas. Os políticos estão maciçamente neste grupo.
Esqueça um pouco, por absurda, a ideia da mídia (e dele mesmo) de que o governador de São Paulo, João Dória, é hoje a grande liderança dos cidadãos justos na luta contra a epidemia. Até pouco tempo atrás, nove em cada dez jornalistas brasileiros estavam convencidos que não se podia entregar a Dória, um bolsonarista-raiz, nenhuma responsabilidade maior do que levar o cachorro para dar uma volta no quarteirão. Mas Doria mudou de lado — hoje quer ser o campeão da resistência contra Bolsonaro, e a mídia mudou, no ato. Acha que o homem, agora, é um estadista. É claro que ele continua o mesmo — e todo o som e fúria que vêm daí são apenas campanha antecipada das eleições de 2022. Mas o que interessa é o dia de hoje — e não quem vai ser o próximo presidente da República.
Não completamos ainda o mês de março — onde o Brasil estará em dezembro, se as coisas continuarem assim? Governos e pessoas se empenham numa disputa feroz, neste momento, para estabelecer quem é capaz de tomar as decisões mais radicais. As palavras-chave são proibir, isolar, suspender, parar, adiar, confinar, esvaziar, interditar. A ordem parece ser: proíba já, e pergunte depois. Para salvar vidas, estão acabando com a vida. É um mundo inviável, onde a virtude mais apreciada no ser humano é a sua capacidade de dizer “não”. Mas está claro desde o começo, até para os maiores defensores da ideia de que as quarentenas radicais são o melhor remédio, que uma sociedade não pode sobreviver à falta de atividade produtiva.
Não adianta vencer o coronavírus se não houver mais o que comer, para começo de conversa – e mais 1001 outras coisas, para se continuar conversando. O Brasil, e nenhum país, pode viver sem indústria, nem comércio, nem transporte, nem escolas e nem emprego para as pessoas cujas atividades e locais de trabalho foram destruídos pela proibição de fazer cada vez mais coisas.
Não dá para viver sem internet e celular. Uma criança de 10 anos de idade é capaz de entender isso. O essencial neste momento, isto sim, é concentrar todos os esforços na busca de duas coisas simultâneas: meios para que o país volte a funcionar e o máximo possível de segurança para as pessoas diante da epidemia. Não dá, em suma, para aceitar passivamente o triunfo da irracionalidade e da obsessão em copiar aqui, hoje, o que foi feito ali, ontem.
É bom lembrar, também, aquilo que está do outro lado do medo — é a liberdade. Primeiro te intimidam. Depois te dizem o que fazer. No fim te obrigam a obedecer às ordens que dão. As pessoas esqueceram isso. Vão começar a perceber logo, se as coisas continuarem assim. Viver, apenas, é fácil: no extremo, basta ligar o sujeito num aparelho, dar-lhe supervisão médica e ele fica por aí 100 anos. Na verdade, viver é algo raro. A maioria das pessoas, como diz Oscar Wilde, apenas existe. Viver em quarentena é apenas existir.
Revista Oeste