Em 1799, o idoso George Washington adoeceu após cavalgar no severo inverno da Virgínia. Não se hesitou em sangrar o paciente, procedimento então usual na medicina. O primeiro presidente americano morreu pouco depois, provavelmente em muito sofrimento pelo tratamento medieval.
A disciplina do método científico, com grupos de controle, estratégias de identificação e técnicas da estatística, procura descartar teses incompatíveis com a evidência. Ela evita a recorrência de procedimentos como a sangria de doentes ou a pílula do câncer, para alívio dos pacientes.
Os economistas têm seus telhados de vidro. Durante boa parte da segunda metade do século 20, argumentavam que a agricultura dos países pobres estava condenada à estagnação.
O problema é que já nos anos 1950 Theodore Schultz mostrara que a tese não sobrevivia à evidência. Ele analisou os dados de países subdesenvolvidos, incluindo o Brasil, e documentou o aumento da produtividade na agricultura, na contramão da visão convencional.
Alguns economistas defendiam teses ainda mais estapafúrdias.
A maior demanda por alimentos nos países pobres apenas resultaria em preços mais altos, sem alterar o total produzido. Os produtores rurais não reagiriam aos preços de mercado, afinal a quantidade de trabalhadores empregados na agricultura não afetaria a quantidade produzida de alimentos.
Mais uma vez, Schultz desmontou o argumento. Ele observou que cerca de 6% da população na Índia no começo do século 20 foi vitimada pela gripe espanhola, e a incidência variou significativamente nas diversas regiões. A doença não deixou sequelas permanentes nos sobreviventes.
A produção agrícola nos anos seguintes à epidemia caiu na mesma proporção das vítimas. Os dados rejeitaram a tese de que variações no número de trabalhadores nos países pobres não afetariam a produção de alimentos.
Em 1968, Affonso Celso Pastore utilizou a melhor estatística disponível para verificar se a agricultura no Brasil seria insensível aos preços de mercado. A tese não sobreviveu aos testes. A produção de alimentos reagia aos preços da mesma forma que nos países desenvolvidos.
Foi de pouca valia. Quantos estudaram Schultz e Pastore na sua graduação em economia? A minha profissão volta e meia prefere a pílula do câncer.
Há 50 anos, Pastore iniciou a sua notável carreira dedicada a testar cuidadosamente as teses sobre a nossa economia.
O quase octogenário grandalhão com bigode curto e mãos pequenas não sabe o que é preconceito e não para de estudar. Suas imensas generosidade e erudição, temperadas por deliciosa rabugice, salvaram-me de muitos contos do vigário.
Folha de São Paulo