Não considero as fake news o problema atual da humanidade e não acredito que Hillary Clin- ton e Fernando Haddad perderam eleições para o populismo de direita por causa de informações falsas em redes sociais.
Disputas eleitorais são forjadas pela mentira. Candidatos conservadores e progressistas prometem o que não cumprem. Mentir mais não é necessariamente pior do que mentir menos. É cínico, mas ainda não se inventou nada melhor do que a rotatividade de poder que o regime democrático, sempre imperfeito, proporciona.
Historicamente, a disseminação de falsidades se intensifica com a aceleração tecnológica.
No império, o padrão de gravidade era a distribuição de impressos ou manuscritos por mais de 15 pessoas e o discurso em reuniões públicas. Além do sistema monárquico e da figura celestial do imperador, era preciso proteger "as verdades fundamentais da existência de Deus e da imortalidade da alma".
Com a república, a afixação de papéis ofensivos em "lugar frequentado" e, depois, o rádio e a TV multiplicaram os efeitos das inverdades. A Lei de Segurança Nacional de 1969 não tolerava nem guerra psicológica adversa nem divulgação de notícia falsa ou tendenciosa ou de fato verdadeiro truncado ou deturpado.
Com a internet, a boataria é instantânea. Que ninguém se iluda: não há como preservar o país da circulação de fatos sabidamente inverídicos e do impulsionamento de conteúdos nocivos.
As fake news prosperam porque seus destinatários anseiam por elas. Tem gente que acredita em Lula ou em Bolsonaro, em bispo católico ou protestante, em Sri Prem Baba, em Black Friday, em escola sem partido, em horóscopo. Acredita quem quer. Não há como impedir, previamente, "abusos" da liberdade de expressão. Nem a censura ferrenha nos salvaria de crenças esquisitas e estúpidas.
A reportagem da Folha sobre comercialização de disparos ofensivos pelo WhatsApp, que tanto aborreceu o círculo íntimo do capitão, é importante porque revela nova modalidade de abuso do poder econômico e não pelo conteúdo tosco que seus seguidores compartilhavam.
Ainda falta ao bolsonarismo o tempero da cultura democrática (se a escolha do ministro da Educação mostra a persistência de aspirações sombrias do candidato, o consumo de "pão com leite condensado" causaria náuseas em Rê Bordosa, inesquecível personagem de Angeli), mas é interessante observar a submissão paulatina do presidente eleito ao decoro do cargo e aos ritos republicanos.
Aparentemente, Bolsonaro vai aprendendo que ser presidente não é ser imperador. Sabe que a respeitabilidade da "augusta figura" dependerá do comportamento político. Já emite sinais de fisiologia, compensa o passado de proscrito no Exército com generosa distribuição de cargos para generais, e ainda implica com o jornalismo adverso.
Bolsonaro (mencionado por Steve Bannon, estrategista de Trump, como "Botolini") tem filhos demais. Sabe que amigos e familiares costumam atrapalhar a vida de governantes quando se embriagam pelo poder, pela bajulação ou pela picaretagem.
A perspectiva do impeachment é o contrapeso constitucional eficiente.
Não é à toa que o general Mourão, cercado de desconfiança durante a campanha, pelas sucessivas bobagens que pronunciou, reapareça, depois de eleito, como titular do discurso do equilíbrio e do bom senso. É o vice, que não é bobo, tentando pavimentar a estrada para o hipotético afastamento de Jair Bolsonaro.
Folha de São Paulo