Se quiser montar uma política industrial, o novo governo deverá, por prudência, levar em conta a derrota parcial do Brasil em cinco de sete processos abertos pela União Europeia e pelo Japão contra programas do período petista. Prudência será uma virtude especialmente importante. Não está claro se a nova diplomacia levará a sério a Organização Mundial do Comércio (OMC) e suas normas multilaterais. O presidente Jair Bolsonaro e seus conselheiros têm mostrado escassa consideração pela ordem multilateral – e também nisso acompanharam seu grande inspirador, o presidente americano, Donald Trump.
Mas as decisões da OMC em disputas comerciais continuarão gerando efeitos práticos e será conveniente considerar esse ponto. De início, o futuro presidente precisará lidar com as últimas condenações. Além disso, encontrará o Brasil envolvido em um novo contencioso, desta vez contra subsídios canadenses à indústria aeronáutica.
Quanto às condenações de vários programas petistas, vieram sem surpresa, até porque envolviam incentivos distribuídos de modo voluntarista e sem sinais de planejamento. Inesperados, mesmo, foram alguns pontos favoráveis ao Brasil nas decisões do Órgão de Apelação da OMC, instância final das disputas. O resultado recém-divulgado poderá, portanto, ser duplamente instrutivo para o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros.
Além de servir de advertência, mostrando caminhos claramente proibidos, como o dos incentivos baseados em impostos indiretos, indicará algumas linhas de ação consideradas aceitáveis nesse último julgamento.
Exemplo: a condenação apenas parcial da Lei de Informática, na parte referente aos “processos produtivos básicos” (PPB), deixa espaço para revisão e adaptação do programa. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) rapidamente reivindicou essas providências. Mas a resposta final do novo governo dependerá, em princípio, de sua orientação quanto ao sentido e às formas aceitáveis de políticas de desenvolvimento industrial.
A equipe econômica do presidente eleito Jair Bolsonaro tem-se mostrado favorável à abertura da economia, até por meio de concessões unilaterais. Tem defendido, embora sem detalhar objetivos e formas de ação, ações baseadas num modelo amplamente liberal, com um mínimo de intervenção nas operações do mercado. O presidente eleito chegou a mencionar uma reforma trabalhista muito mais audaciosa que a promovida pelo atual governo, respeitados os limites constitucionais.
A cúpula do futuro governo apresentou, até agora, um discurso econômico muito mais ideológico do que pragmático. Até a seleção de boa parte da equipe foi claramente determinada por critérios basicamente ideológicos. Vários dos escolhidos têm excelente reputação profissional, mas ainda é difícil avaliar como será seu desempenho numa função pública. Critérios técnicos predominaram claramente só em alguns casos. É cedo para dizer quanto pragmatismo haverá nas decisões sobre adoção e formatação de políticas de desenvolvimento produtivo e de comércio exterior.
Se houver suficiente espaço para decisões pragmáticas, o governo deverá montar suas políticas a partir de considerações estratégicas. Isso envolve, normalmente, a fixação de objetivos, a identificação de obstáculos ou gargalos, a avaliação dos meios disponíveis e o desenho de linhas de ação.
Não haverá lugar para a eleição de campeões nacionais nem para a distribuição de benefícios a grupos ou segmentos empresariais. O programa Rota 2030, por exemplo, pode ser mais compatível com regras da OMC do que o extinto Inovar Auto, mas caberá numa política baseada em critérios técnicos de planejamento?
Normas da OMC também serão importante baliza, se a diplomacia favorecer uma ordem global razoavelmente equilibrada e civilizada. Quanto mais firme essa ordem, maior a possibilidade de crescimento econômico turbinado pelo comércio. Mas isso envolverá dois valores combinados – pragmatismo e civilização. Nada garante, por enquanto, qualquer dessas escolhas.
O Estado de São Paulo