O cruzamento de dados revela entre os receptores ou depositários de quantias, geralmente de até R$ 10 mil, pessoas lotadas, por exemplo, nas secretarias estaduais de Obras e de Saúde, no Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj) e no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
O documento cita 2.301 pessoas físicas e 701 jurídicas. Desse total, 545 trabalharam ou ainda prestam serviços para 21 deputados estaduais. E, destes 545, “75 apresentaram movimentaram financeira suspeita”, segundo o relatório . As transações analisadas referem-se não apenas a operações feitas por assessores parlamentares, mas também por terceiros, que eram monitorados pelo Coaf.
As operações totalizam R$ 207 milhões e ocorreram principalmente entre janeiro de 2016 e 2017. Elas foram consideradas pelo Coaf incompatíveis com a capacidade financeira dos citados. O órgão estranhou também o grande volume de depósitos e saques em espécie em valores individuais inferiores a R$ 10 mil, o que dificultaria a identificação da origem ou do destino dos recursos. Em alguns casos, a transferência correspondeu a valores próximos ou superiores a 70% da remuneração do remetente.
"Mudança de cultura"
O chefe de gabinete do deputado Luiz Martins (PDT), por exemplo, repassou R$ 30,8 mil para um policial civil, R$ 2.414 para um servidor temporário da prefeitura de Barra Mansa e R$ 700 para um vereador de Macuco. O assessor recebeu R$ 35,5 mil de uma servidora da prefeitura de Cabo Frio. Pelo menos seis outros funcionários de prefeituras da Região dos Lagos receberam repasses, que variaram de R$ 250 a R$ 1,5 mil. Luiz Martins foi preso na operação Furna da Onça, e seu gabinete não se manifestou.
No caso do deputado Paulo Ramos (PDT), a investigação abrangeu alguns investigados desde 2011 e até o início de 2017. As operações somam R$ 30,2 milhões. Entre os citados no relatório, um assessor especial de Ramos, que seria oficial da reserva da PM, recebeu R$ 67,2 mil de nove servidores da Alerj. Com salário de R$ 10.237, o assessor doou R$ 10 mil para a campanha do parlamentar em 2014.
Uma assessora de Ramos é citada por ter recebido R$ 1,3 milhão de empresas de ônibus. O deputado argumentou que a assessora atua na comissão de Trabalho e é advogada especializa em defender rodoviários na Justiça Trabalhista. As somas, segundo Ramos, referem-se a valores de indenizações ganhas na Justiça que posteriormente são repassadas aos clientes, descontadas as comissões.
Em alguns casos, a frequência e repetição dos repasses pode sugerir a prática de divisão do salário de um assessor com colegas ou com o titular do mandato. O cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF, ressalta que práticas imorais, consideradas “normais” no passado passaram a ser investigadas e denunciadas.
— Estamos passando por uma mudança radical da cultura política no país, no sentido de suas raízes. As instituições policiais e o Ministério Publico tiveram de tomar iniciativas no sentido de punir a ilegalidade. A ilegalidade hoje, cada vez mais, é vista como algo que não interessa a quem estiver no poder, não importando sua identidade política — diz o professor.
A Polícia Federal também investiga repasse de salários na Alerj. Como informou o jornal “O Estado de S. Paulo”, relatório da PF, baseado em interceptações telefônicas, conclui que há indícios da contratação de servidores fantasmas, que repassariam parte de seus salários para parlamentares e assessores.
Luiz Ernesto Magalhães, Renan Rodrigues e Selma Schmidt, O Globo