quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Os generais no palácio do capitão

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante celebração na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante celebração na Vila Militar, 
zona oeste do Rio de Janeiro - Tercio Teixeira - 24.nov.2018/Folhapress


A escolha do general Carlos Alberto dos Santos Cruz para a
Secretaria de Governo do futuro presidente, Jair Bolsonaro,
consolidou a inédita marca militar da próxima administração.
Considerando-se que um de seus antecessores foi o deputado
Geddel Vieira Lima, hoje encarcerado, a melhoria de padrão
será indiscutível. Santos Cruz junta-se aos generais da reserva
Hamilton Mourão (vice-presidente) e Augusto Heleno
 (Segurança Institucional) na equipe que trabalhará no Planalto. Bolsonaro, o chefe de todos eles, é um capitão reformado que
chegou à Presidência pelo voto.
Essa circunstância desautoriza qualquer comparação automática
com os poderes palacianos durante a ditadura.
Os generais de Bolsonaro comandaram tropas das Nações Unidas
 no Haiti e no Congo.
Os da ditadura comandaram mesas em representações no e
xterior. Deles, só Castello Branco e Golbery do Couto e Silva
estiveram na Segunda Guerra. (Golbery não ouviu um só tiro.)
Forçando-se a mão, pode-se comparar a presença de Santos
Cruz na Secretaria de Governo com a ida de Golbery para a
 chefia do Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel, em 1974.
Contudo, há duas diferenças. Golbery nunca foi general no
serviço ativo, pois foi para a reserva em 1962 como coronel e
ganhou a promoção automática que a lei da época lhe
assegurava. Depois de criar e dirigir o SNI, ele foi para o
Tribunal de Contas e de 1969 ao início de 1974 esteve na
iniciativa privada, presidindo a filial brasileira da Dow
Química.
Os generais da ditadura viveram a anarquia e rebeliões
políticas do século passado. Costa e Silva foi preso em 1922
 e Golbery, detido em 1955, redigiu todos os manifestos da
indisciplina de coronéis e generais das décadas de 50 e 60.
Médici e Geisel rebelaram-se em 30. Castello Branco, nunca.
Todos participaram da deposição de João Goulart. Desde
1950, as Forças Armadas estavam publicamente divididas
por motivos políticos. Hoje essa divisão não existe.
Bolsonaro e seus generais vieram de outra cepa, num período
de profissionalismo e pacificação política dos quartéis. Ainda
 assim, em 1978, o capitão Augusto Heleno, ex-ajudante de
ordens do general Sylvio Frota, viu-se observado, em pelo
menos um documento do SNI. Em 2008, como comandante
militar da Amazônia, ele criticou a política indigenista e foi
aconselhado a evitar o assunto.
Há três anos, depois de um pronunciamento político, o general
Hamilton Mourão perdeu a prestigiosa chefia da tropa do Sul.
Ele mesmo reconheceu, citando o ex-comandante Enzo Peri,
que "cada um tem que saber o tamanho de sua cadeira", e
extrapolara o tamanho da sua.
Já o capitão Bolsonaro tomou uma cadeia por ter escrito um
artigo defendendo o aumento do soldo dos militares e foi
excluído do quadro da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
 em 1987, por ter desenhado num croqui o que poderia ser a
colocação de uma bomba na adutora do Guandu.
Ele negava a autoria do desenho. Uma perícia confirmou-a e
 outra, não. Mais tarde, o capitão foi absolvido pelo Superior
 Tribunal Militar, por voto de minerva em favor do réu.
A presença de militares da reserva no coração do Planalto
 durante um governo eleito é jogo jogado, desde que cada
um saiba o tamanho de sua cadeira.
Um dos maiores secretários de Estado do governo americano
foi o general George Marshall. Quando ele era chefe do
Estado-Maior Conjunto, o general Douglas MacArthur
desafiou o presidente Harry Truman. Comandando a tropa
 que guerreava na Coreia, tinha uma cadeira enorme. Marshall
 defendeu sua demissão, para confirmar a primazia do poder
 civil. A cadeira de Truman era maior.

Elio Gaspari, Folha de São Paulo