Uma candidatura presidencial propaga que as urnas eletrônicas terão sido fraudadas caso não seja a vencedora do pleito. Outra, que decisões reiteradas da Justiça convertem a disputa em fraude.
Jair Bolsonaro (PSL), seus porta-vozes e militantes lançam dúvidas sobre a probidade do registro de votos, o que compõe uma arenga autoritária que inclui o elogio de ditaduras e da violência física.
Petistas dizem que a condenação em duas instâncias de seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, constitui violação institucional —ou parte de um golpe, termo que aplicam a qualquer procedimento que os contrarie, não importando a regularidade do processo.
Na diatribe mais recente, a mais que esperada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de considerar Lula inelegível foi descrita, na propaganda de TV, como um ataque à “vontade do povo”.
Ainda que possam parecer mera verborragia demagógica, tais arroubos envenenam o ambiente democrático. As contestações à legalidade da disputa eleitoral não são propriamente críticas, com argumentos baseados em lógica e evidências, nem queixas encaminhadas aos canais adequados.
Trata-se de ataques infundados às regras do jogo —que, mais adiante, poderão ser usadas para negar também a legitimidade do eleito, de seu governo, de leis e políticas que vierem a ser implantadas.
A estratégia se vale da disseminação de crenças conspiratórias, que apelam em particular às parcelas mais sectárias do eleitorado.
Os setores mais extremados acabam por não ver os adversários como pessoas de opiniões e interesses diferentes em seu direito de disputar o poder; oponentes se tornam inimigos a serem eliminados da vida pública e hostilizados nas ruas.
Tais campanhas de difamação de concorrentes e instituições fazem mais do que conturbar o processo eleitoral. No limite, embutem ameaça velada de violência. Afinal, se a eleição é fraudada, como afirmam de uma maneira ou outra, por que aceitar seus resultados?
Deixa-se no ar, de modo insidioso, que haveria outros meios de alcançar o poder ou de tomá-lo.
A polarização exacerbada não raro descamba para manifestações de truculência, intolerância e irracionalidade —e o panorama nacional persiste conflagrado, como se nota com clareza desde a onda de protestos de rua de 2013.
A contenda divisiva, cada vez mais rancorosa, é empecilho à discussão produtiva de acordos com o objetivo de superar uma crise econômica e social de raridade secular, que nos ronda há cinco anos.
Não se pode dar como corriqueira e aceitável a retórica que ameaça as normas fundamentais do convívio político —para não dizer mesmo da civilidade básica e do respeito às liberdades civis.