Com muita propriedade, ao fim de sua peça intitulada Galileu Galilei, o dramaturgo, romancista e poeta alemão Bertolt Brecht dizia: “pobre da nação que precisa de heróis”. O jurista Ruy Barbosa entoava no mesmo compasso: “salvadores, não. Salvação, sim”. Longe do risco de uma nova solução messiânica e populista para o País, ganham fôlego alternativas que emergem do chamado centro do espectro político: Alvaro Dias, do Podemos, e João Amoêdo, do Novo. Ambos representam um clarão no fim do túnel para quem quer fugir dos extremos nas eleições presidenciais. Em comum entre os dois, a defesa intransigente da reforma do falido modelo político que, se não for profundamente modificado, seguirá afundando o País na crise.
Hoje, o meio político separa os candidatos em disputa em três pelotões. Com a saída do ex-presidente Lula da eleição, isola-se na linha de frente o candidato do PSL, Jair Bolsonaro. O segundo grupo abriga Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT). Finalmente, antes dos nanicos, há um terceiro time. É onde ascendem João Amoêdo e Álvaro Dias, entre 5% e 3%. Pelo potencial de crescimento na reta final da campanha, os candidatos do Podemos e do Novo devem ser observados com atenção.
O diagnóstico da necessidade de “refundação” do País aos poucos ganha adeptos entre o eleitorado
No caso de Alvaro Dias, destaca-se uma recente pesquisa divulgada pela consultoria XP. O levantamento pergunta aos eleitores se eles possuem uma segunda opção de voto além do primeiro candidato que declaram. Entre os que se declararam indecisos ou dispostos a votar branco ou nulo, Alvaro Dias apareceu com 45% como possível opção, caso tais eleitores mudem de ideia. É um universo que o senador paranaense pretende explorar. Nessa tarefa de alcançar o segundo turno, Alvaro Dias empunha como principal bandeira o que chama de “refundação da República”. Embora outros candidatos também apontem a necessidade de mudanças na forma de se fazer política no Brasil, o candidato do Podemos é o único que explicita a discussão e apresenta propostas concretas de como fazer. A partir da coligação feita com o PSC do ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Paulo Rabello de Castro, Alvaro Dias levou para a campanha um plano de metas com 19 propostas. Uma delas é apresentar nos primeiros dias de governo um pacote de reformas constitucionais nas quais se apoiariam a “Nova República” apregoada por ele. “No início do governo, o presidente está referendado pelo resultado obtido. Isso dá a ele uma legitimação intrínseca do voto para propor mudanças mais profundas”, avalia Paulo Rabello de Castro. “Precisamos dar à Constituição de 1988, que ficou muito datada pelas discussões do seu tempo, uma cara de século 20”, completa.
Na prática, as ideias contidas nesse pacote de reformas seriam as mesmas que vêm sendo propostas há algum tempo, como reforma previdenciária, tributária e político-eleitoral incluindo o voto distrital e facultativo. O problema é que tais propostas, pela polêmica e reação que geram, acabam sempre patinando. “A iniciativa do Executivo, recentemente eleito, legitimado pelo voto popular, dá ao conjunto uma força maior. É nisso que acreditamos”, diz Paulo Rabello. Para o cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Pereira César, o diagnóstico da necessidade de “refundação” do país aos poucos ganha aderência entre o eleitorado. “O diagnóstico de falência do atual modelo político é claro. A raiz da árvore está na discussão do modelo de país. É muito bom e importante que um candidato ao menos verbalize tal problema”.
Ainda que não explicite o problema com a mesma ênfase de Alvaro Dias, João Amoêdo igualmente apresenta-se como representante de uma nova ideia de comportamento político. Não por acaso, analistas políticos classificam o candidato do Novo como “emergente”, alguém com chances de crescer, apesar do curtíssimo tempo de campanha. Uma combinação quase perfeita parece impulsioná-lo: o discurso liberal, que ganha a simpatia do empresariado, da classe média e do mercado financeiro, e a boa estratégia que adota nas redes sociais. Nas pesquisas, Amoêdo emite sinais de vitalidade. Entre os mais escolarizados, já encosta em Geraldo Alckmin (PSDB) e, segundo o Ibope, é o que ostenta a menor rejeição: 12%. A onda laranja — referência a cor adotada pelo partido Novo de Amoêdo — encanta pessoas com nível superior, relativamente jovens, e que, acima de tudo, querem uma sociedade baseada no mérito, não no compadrio. Ou seja, trazer de fato o Brasil para o século 21. Numa sociedade descrente com a política, o que tornam críveis as propostas do candidato é a maneira rigorosa com que ele cobra dos seus quatro vereadores o cumprimento da filosofia apresentada pelo Novo na campanha — baseada no princípio fundamental de que o corte de privilégios, a redução de luxos e mordomias e a redução da perdulária estrutura administrativa do Estado são exemplos que precisam vir de cima. Além do fim dos excessos e das delícias proporcionadas pelo poder. Amoêdo defende a simplificação dos impostos, a privatização, a reforma da Previdência e a criação de uma bolsa destinada a ajudar as famílias que possuem filhos em escola pública. O benefício leva o nome de “Vale Educação”. “O governo daria vales para o cidadão escolher uma escola privada. O governo não é eficiente construindo e administrando escolas. É a mesma lógica do Bolsa Família, em que o cidadão pode escolher onde gastar o seu dinheiro”, diz o candidato.
Para o sociólogo Antonio Lavareda, há uma possibilidade de parte dos eleitores buscarem até o final da campanha algo menos radical e mais moderado. Residiriam aí as chances de Amoêdo. “Ele é o candidato novo que as pessoas estavam esperando, fora do sistema político. O eleitor dele é o que está na dúvida em apoiar o Geraldo Alckmin, porque faz parte do velho sistema, e acham a alternativa Bolsonaro demasiadamente rude, populista demais para o gosto deles”, considera Lavareda.
Analistas políticos classificam o candidato do Novo como alguém com elevado potencial de crescimento
O termo messias, originário do hebraico mâshiâh, em grego traduzido por Christos, significa “ungido”. É usado para designar aqueles que receberam da divindade uma missão especial. É quem surge para exercer um papel central na salvação dos indivíduos como um todo ou de um grupo específico. Na esfera política moderna, não nos faltaram experiências messiânicas – e deletérias para quem se submeteu a elas. Como disse o sociólogo francês Julien Freund, a política acabou por usurpar as funções e as tarefas que eram especificamente religiosas. Toda vez que a política foi sacralizada, ela constituiu o caminho mais curto para o abismo. Foi assim, na história recente do País, com Lula. A escalada de desacertos, e o restante já é história, começou quando acreditou-se na farsa do mito — na verdade, puro produto de marketing. O filósofo inglês Roger Scruton, em recente entrevista, alertou para o fato de que o messianismo político na América Latina se desenvolvia de maneira muito fácil e que esses países deveriam cultuar o governo das leis, em vez de pessoas. Longe dos extremos dos pólos políticos, populistas na essência, uma solução mais racional, portanto, viria de propostas ao centro. Setores do eleitorado, aos poucos, começam a perceber isso. Caso contrário, como o Museu Nacional, o País corre igualmente o risco de pegar fogo. Pode-se ignorar a ameaça ou começar a pensar numa forma de contê-la.
IstoE