Amigos me alertaram no domingo último, 2 de setembro. Paulo Francis estaria fazendo 88 anos. Francis, como se sabe, morreu em Nova York, onde morava, em 1997, aos 66. Foi o jornalista brasileiro mais famoso de sua geração. Que tivesse morrido com 66 anos —de um infarto provocado por um processo que lhe moveu um presidente da Petrobras, que ele chamara de ladrão—, já foi inacreditável. Mas imaginá-lo aos 88, talvez frágil e alquebrado, também seria inconcebível.
Francis precisava de seu porte imponente, dos ternos da Brooks Brothers, de parecer ainda mais alto do que era para se sentir Paulo Francis. Seu modelo era o crítico de teatro Addison DeWitt, personagem de George Sanders no filme “A Malvada” (1950), de Joseph L. Mankiewicz —e, não por acaso, Francis começou na imprensa pelo teatro. Era, no fundo, um ator, empenhado em aperfeiçoar o papel que mais gostava de representar: o de Paulo Francis.
Ao olhar para a folhinha, lembrei-me de outro 2 de setembro, o de 1968. Francis fazia, então, 38 anos, e convidou amigos ao seu apartamento, na rua Alberto de Campos, em Ipanema. Quem estava lá naquela noite? Enio Silveira e Jorge Zahar, editores. Millôr Fernandes, Sergio Porto, Flavio Rangel, Telmo Martino, Glauber Rocha, José Lino Grünewald. A nova esquerda, com Fernando Gasparian. A velha esquerda, com Otavio Malta. Ex-namoradas: Gilda Grillo, Tuca Magalhães, Thereza Cesario Alvim. Newton Rodrigues, seu chefe no Correio da Manhã; Beki Klabin, sua patroa na revista Diners. O muito rico Marcello Aguinaga. Muitos mais.
Homens e mulheres elegantes bebiam Black Label e champanhe, falavam de política, riam dos militares —ainda se faziam piadas com os militares. Na vitrola, Carmen McRae, José Feliciano, Renata Tebaldi. Serviram-se canapés vindos do novo restaurante Flag. Dali a três meses, Francis seria preso no AI-5.
Todos os citados já morreram. Sobrei eu, para contar a história.
Folha de São Paulo