O apoio e o entusiasmo de diversos setores do eleitorado brasileiro com a candidatura Bolsonaro (PSL) é cada vez mais preocupante. É compreensível que eleitores que compartilhem valores autoritários, machistas ou racistas estejam animados em finalmente poder votar em uma liderança abertamente antidemocrática.
Muitos dos seus apoiadores, no entanto, se declaram liberais. Outro dia me encontrei com alguns economistas e agentes do sistema financeiro, que embora não estivessem abertamente declarando apoio à chapa do PSL, argumentavam que o temor em relação a um eventual governo Bolsonaro era exagerado.
Afinal, o candidato contava com um excelente assessor econômico, radicalmente liberal, que iria colocar em prática todas as medidas e reformas necessárias para que o Brasil voltasse a crescer, sem embaraços colocados pelo Estado.
Não tenho por que questionar a qualidade técnica da equipe econômica ou seu compromisso ideológico. Parece-me, no entanto, que os liberais que se deixarem seduzir por Bolsonaro estarão incorrendo num típico ato de cegueira deliberada, que ocorre quando conscientemente nos abstemos de tomar conhecimento de determinadas informações, com o objetivo de não podermos ser responsabilizados pelas consequências de nossos atos.
Da perspectiva ideológica, o apoio liberal a Bolsonaro é uma contradição. Muito embora o liberalismo abrigue um enorme arco ideológico, que vai da direita à esquerda, de Hayek a Rawls, não seria incorreto afirmar que, se há algo de comum em todas as vertentes do liberalismo, é sua incompatibilidade com as mais variadas formas de pensamento autoritário. E não há como negar, pela sua postura e trajetória, que Bolsonaro pertença à mesma categoria de autocratas que Putin, Chaves ou Erdogan, como demonstrou Steven Levisnky, nesta Folha nesta sexta (31).
O problema, porém, não é apenas de inconsistência ideológica. Afinal, o Brasil tem uma longa tradição de pessoas que se declaram liberais, mas nunca tiveram nenhum pudor em receber um pequeno subsídio ou explorar uma atividade monopolista. Isso sem falar, evidentemente, naqueles liberais que toleraram a tortura ou a censura praticadas pelo regime militar apoiado por Bolsonaro e Mourão.
A questão é, sobretudo, política e econômica. A experiência recente deveria ter nos ensinado que sem estabilidade política a economia corre sérios riscos de naufragar. Não há nenhum indício de que Bolsonaro e seu partido sejam capazes de operar nosso mais do que complexo presidencialismo de coalizão. Sua hostilidade ao Congresso é patente. Como vimos com Collor e Dilma, a incapacidade de formar uma base sólida de sustentação no Parlamento e de angariar a confiança dos diversos setores da sociedade não apenas reduz a possibilidade de o governo realizar reformas como aumenta substancialmente a probabilidade de que não chegue ao fim.
Liberais, é hora de tirar a venda.
Liberais, é hora de tirar a venda.
Estive poucas vezes com Otavio Frias Filho, mas o jornal que ele criou foi essencial na minha formação como cidadão, além de uma companhia fiel, há mais de três décadas. Quando me convidou para partilhar esta coluna com seu amigo Luís Francisco Carvalho Filho, ofereceu duas sugestões, que agora compartilho com o leitor: não seja irônico, pois o leitor não merece; e uma coluna não comporta mais do que uma ideia. Para mim tem sido uma honra e um privilégio colaborar com um jornal compromissado com a democracia, a liberdade e o pluralismo.
Oscar Vilhena Vieira
Diretor e professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA)
e doutor em ciência política pela USP