segunda-feira, 10 de setembro de 2018

"A calmaria da inflação", editorial do Estadão

A maior e melhor surpresa de agosto foi trazida pelos números da inflação, muito bem comportados apesar da forte alta do dólar, várias vezes negociado acima de R$ 4,00. Houve deflação de 0,09% registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência mais importante para a política de juros e para várias outras ações oficiais. Foi a menor taxa para o mês desde 1998, quando os preços caíram em média 0,51%. 
Deflação é um fenômeno raro em agosto e muito bem-vindo numa fase de insegurança externa e, mais importante, de ampla incerteza eleitoral no Brasil. Mas quem quiser celebrar deve continuar atento. As pressões cambiais ainda poderão ter efeitos inflacionários nos próximos meses, especialmente se o quadro político se tornar mais inquietante e justificar mais temores quanto ao futuro da economia. Nesse caso, o Banco Central (BC) poderá antecipar a elevação da taxa básica de juros, ancorada há alguns meses em 6,50%.
Pelas projeções do mercado, o próximo ano será encerrado com juros básicos de 8%. A expectativa é de elevação gradual do custo do crédito, compatível com uma alta muito lenta da inflação. Se as pressões inflacionárias forem mais fortes do que se tem previsto, o custo do dinheiro poderá subir mais velozmente, dificultando a recuperação da economia e encarecendo a dívida pública. Um presidente voluntarioso poderá, naturalmente, conter a alta dos juros. Isso provocará estragos muito maiores um pouco mais à frente.
A incerteza quanto à eleição e quanto à seriedade do próximo governo é hoje o principal fator de turbulência cambial. A alta de juros nos Estados Unidos e as tensões comerciais entre grandes potências têm causado instabilidade no mercado de câmbio e devem continuar produzindo esse efeito por algum tempo. Mas algumas moedas, incluído o real, têm sido afetadas bem mais intensamente que as outras.
Brasil, assim como Argentina, África do Sul e Turquia, é avaliado como um país com problemas especiais de política econômica, derivados em grande parte das condições políticas internas. Em um mês, até a última quinta-feira, o credit default swap (CDS) de títulos brasileiros subiu 37,53% no mercado internacional. O CDS é uma espécie de seguro contra calote praticado por emissores de papéis de renda fixa.
Por enquanto, a acomodação dos preços ao consumidor permite respirar com um pouco mais de tranquilidade – provisória, é claro. Com a deflação de 0,09% em agosto, a inflação acumulada no ano ficou em 2,85%. O resultado em 12 meses passou de 4,48% em julho para 4,19% no mês seguinte. As apostas em um resultado em torno de 4,20% em 2018 parecem ainda razoáveis. Se esta avaliação estiver correta, a diretoria do BC poderá entregar ao presidente eleito juros ainda no patamar de 6,50%.
O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) também trouxe boas notícias. Aumentou somente 0,07% em agosto, depois de ter avançado 0,17% em julho. Mas o IPC é só um dos três componentes do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) elaborado pela FGV. O quadro completo é menos favorável.
O Índice de Preços por Atacado (IPA), com peso de 60% no resultado geral, avançou 0,99%. A variação havia ficado em 0,52% em julho. O terceiro componente, o custo da construção, com peso de 10%, cresceu 0,15%. No mês anterior havia aumentado 0,61%.
A alta dos preços por atacado é em parte explicável pelo aumento do dólar em relação ao real. Essa alta parece ter tido pouco ou nenhum efeito sobre os preços encontrados no varejo pelo consumidor final. Sem repasse, o BC pode continuar administrando sem pressa a política monetária e mantendo a taxa básica em 6,50%. Como o consumo continua moderado, por causa do alto desemprego e da cautela das famílias, o repasse pode ocorrer lentamente ou nem ocorrer.
Mas isso dependerá em boa parte da evolução do cenário político e, em pouco tempo, do resultado da eleição presidencial. Quanto aos políticos, parecem bem pouco preocupados com riscos econômicos.