LISBOA - Enquanto debate um projeto de lei que pretende acabar com os vistos gold, concedidos desde 2012 a quem investe pelo menos € 500 mil (mais de R$ 2 milhões) na compra de imóveis no país, Portugal aumentou em 2017 a emissão desse tipo de benefício. Segundo dados do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, foram emitidos no ano passado 1.292 vistos gold para estrangeiros, dos quais 1.204 para aquisições de imóveis de luxo, que resultaram em um investimento total de € 743 milhões. Foram 120 vistos gold a mais do que 2016.
Brasileiros receberam 226 vistos de residência gold, 84 a mais do que no ano anterior e 17,5% dos vistos do tipo emitidos no ano passado. Por nacionalidade, foram superados pelos chineses (538). Sul-africanos ficaram com 81, turcos com 78 e russos com 47. No total, desde a instituição desse tipo de autorização de residência, 677 brasileiros foram beneficiados.
No início deste ano, a Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu abriu uma investigação sobre a concessão dos vistos gold, suspeita de favorecer a corrupção e lavagem de dinheiro. Em setembro, o Parlamento português votará o projeto de lei que elimina esse tipo de visto. A proposta foi apresentada pelo Bloco de Esquerda, e divide a chamada Geringonça, a coalizão informal de governo liderada pelo Partido Socialista. O primeiro-ministro António Costa é contra o fim do benefício.
O deputado José Manuel Pureza, um dos autores do projeto, cobrou do governo informações detalhadas e mais recentes sobre o benefício. Os gold são emitidos anonimamente.
— São informações às quais o país tem direito. É conhecido que os gold são usados por elites econômicas e empresários que praticam lavagem de dinheiro, tráfico de influência e corrupção. Portanto, se Portugal não está importando criminalidade econômica, há todo o risco de isso acontecer — disse Pureza.
A falta de transparência, segundo o deputado, é um dos pontos fracos do programa. A ausência de fiscalização sobre a origem do capital utilizado na compra do imóvel é outro elo frágil. O governo português tem recusado os pedidos de informação com o argumento que a revelação seria invasão de privacidade.
— Não há razão para evitar o conhecimento dos titulares. É mais uma prova que há algo a esconder e evocar a privacidade não faz sentido, porque o pedido de visto para a entrada no país não é um dado sensível. O Consórcio Global Anticorrupção já denunciou que os gold são uma prática de criminalidade econômica na União Europeia. Todos os segredos e a opacidade ao redor do programa só mostram isso — afirmou o deputado, natural de Coimbra.
Ele lembra que, formalmente, poderá perder o visto e até ser expulso do país um estrangeiro condenado pela prática de um crime. No momento, há chineses nessa situação. “Veremos se acontece”, disse.
'FRACASSO'
A Autorização de Residência por Investimento (ARI), nome oficial dos vistos gold, foi criada para atrair investimentos para um Portugal em crise devido ao colapso financeiro de 2008. Além da modalidade de compra de imóveis a partir de € 350 mil (se o local estiver em área de recuperação), era prevista a concessão do benefício a quem gerasse no mínimo dez postos de trabalho no país. Esta última modalidade se revelou um fiasco. Dos mais de seis mil vistos concedidos em seis anos, apenas 11 criaram postos de trabalho, dois deles concedidos em 2017.
— É um fracasso, são contrapartidas para transferência de capitais para a compra de imóveis de luxo, que contribuíram para o efeito especulativo no mercado imobiliário, principalmente no Porto e em Lisboa — disse Pureza.
O texto do projeto compara a concessão dos gold ao calvário burocrático dos imigrantes “normais” para regularizar sua situação em Portugal. “Os vistos gold são, pois, fonte de uma discriminação inaceitável entre cidadãos de primeira (...) e cidadãos de segunda”, diz.
— As pessoas chegam ao país, descontam para Segurança Social mesmo em situação irregular, por vezes, e têm seus direitos fundamentais violados, submetidas a salários baixos — completou Pureza.
No começo de junho, o PS entregou ao Parlamento um projeto que regulariza a situação de 30 mil imigrantes na situação mencionada por Pureza, desde que trabalhem e descontem para a Segurança Social há mais de um ano.
Em abril, em entrevista ao GLOBO, a eurodeputada Ana Gomes, do Partido Socialista, afirmou que os vistos gold equivalem à "prostituição da cidadania europeia". Gomes é vice-presidente da Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu e deverá sugerir o fim dos vistos gold em toda a Europa ao fim de suas investigações, no próximo ano.