sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Os exércitos do ódio - Quem são e como atuam os radicais de extrema esquerda e direita

Incentivam guerrilhas digitais, acentuam a intolerância e tentam sufocar, por meio de linchamentos e agressões virtuais ou não, o contraditório

Fabíola Perez - IstoE


Crédito: fotos: Wilson Dias/ Agência Brasil;  REUTERS/Ricardo Moraes; ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO
Um dos alvos recentes da ira do exército da extrema-direita foi o jornalista, editor e formador de opinião, Carlos Andreazza. Motivo: escreveu um post em que disse não compactuar com a confusão entre conservadorismo e “bolsonarismo”: “Não acredito – nunca acreditei – nos Bolsonaros, cuja inconsistência política só não é maior do que o oportunismo para capitalizar sentimentos contra o establishment. E desprezo o bolsonarismo, que considero uma das expressões da doença moral do brasileiro”, afirmou. Desde então, artigos e textos do jornalista são compartilhados com a intenção de serem desconstruídos nas redes sociais. Detalhe importantíssimo: nem de esquerda Andreazza é. Encarna o conservador clássico. Na Record, Andreazza é o editor de autores como Olavo de Carvalho, Bruno Garschagen e Rodrigo Constantino.
Do outro lado da trincheira, militantes de esquerda impõem comportamentos não menos agressivos quando se deparam com o contraditório. Um caso conhecido teve como pivô o blogueiro Rodrigo Grassi, conhecido como Rodrigo Pilha. Grassi é um típico radical de extrema-esquerda. Em 2014, ele interceptou o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa na saída de um bar em Brasília e o chamou de “autoritário” e “projeto de ditador”. Claro, com a câmera do celular em riste. Ao mesmo estilo do provocador Arthur Moledo, o blogueiro e ex-assessor da deputada Érika Kokay (PT-DF), Rodrigo Grassi se envolve em diversas confusões ao tentar constranger políticos e autoridades que emitem opiniões diferentes das difundidas por ele em seus canais. Em 2014, por exemplo, depois de abordar o senador e atual ministro Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ele foi preso pela Polícia do Senado. No blog “Botando Pilha”, ele alegou ter feito “perguntas inconvenientes” ao político. Premeditado, o tom claramente sarcástico e mordaz teve como intuito gerar uma reação por parte do político. Os vídeos postados por Grassi geraram grande repercussão por seguirem a mesma lógica dos do youtuber de direita, Arthur Moledo: quanto mais intenso e violento o embate de ideias, maiores as chances de ganhar aderência nas redes e aumentar exponencialmente a audiência. “Até 31 de outubro vamos entrar em um dos piores momentos da história da internet brasileira, graças ao contexto eleitoral”, afirma Caio Tadeu Cimi, cientista político e diretor de metodologia da Numbr, empresa de inteligência de redes sociais. “Políticos passaram a olhar mais atentamente e desenvolver um arsenal de guerra a ser utilizado na internet”, acrescentou Caio. Atualmente no País, pessoas com concepções políticas mais radicais, atesta o especialista, tendem a engajar mais usuários do que cidadãos que se identificam com propostas de centro.
Um dos maestros da tropa digital da esquerda é o ator José de Abreu, não por acaso um dos propagadores das peripécias de Rodrigo Pilha. Ele não mede palavras no enfrentamento a quem discorda de seus ideais. Dileto amigo de José Dirceu, o ator se envolveu recentemente numa acalorada discussão dentro de um restaurante japonês em São Paulo, em que terminou por disparar cusparadas contra os interlocutores. Entre eles uma mulher. Quem trabalha afinado com José de Abreu é o técnico em informação conhecido como Stanley Burburinho. Os dois tocam de ouvido. Nas redes, se um levanta, outro corta. E vice-versa. A página do Facebook, bloqueada pelo menos seis vezes, leva uma foto de Che Guevara e possui mais de 69 mil seguidores. Se algum usuário tece algum comentário contrário à cartilha ideológica dos ex-presidentes Lula e Dilma, Stanley contra-ataca com virulência. Hoje, não em tom menos colérico, ele se dedica a detonar adversários do petismo, a criticar a condenação de Lula, a operação Lava Jato e a torpedear a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria. “Antes havia hordas físicas que tomavam a praça para se manifestar. Agora, as hordas continuam na internet, de forma virtual. O que move esses transmissores de propaganda é o sentimento do ódio, a intolerância, o bairrismo e o provincianismo. É justamente na internet, um fenômeno global, em que os bairrismos aparecem mais exacerbados”, constata Roberto Romano.
Em 2017, a Universidade de Oxford publicou um estudo denominado “Troops, trolls and troublemakers: a global inventory of organized social media manipulation” –Tropas, troladores e encrenqueiros, um inventário global da manipulação nas redes sociais. O levantamento chegou à conclusão que a atuação dos exércitos virtuais se transformou num padrão de prática política – patrocinados ou ao menos impulsionados por governos, partidos e movimentos civis. O estudo cita a Rússia e o Equador como exemplos mais bem acabados da ação organizada dos troladores, mas o Brasil não sobrevive incólume à pesquisa. Na Argentina, recentemente, ocorreu um fenômeno parecido ao experimentado no Brasil durante a era lulista: foi despejado dinheiro público em blogs favoráveis a ex-presidente Cristina Kirchner de modo a utilizá-los como ferramenta aglutinadora da militância. Lá como aqui, o partido do governo foi precursor na criação de robôs destinados a derrubar páginas críticas à então presidente. A cereja do bolo, no entanto, foi a compra com dinheiro estatal de computadores para serem usados pelos militantes pagos. Há um parentesco óbvio entre o México e também o Brasil no que diz respeito à tentativa de desacreditar o que os radicais chamam de “velha mídia” ou “mídia tradicional”. No último ano, em solo mexicano, jornalistas viraram alvo e tiveram suas páginas inundadas por robôs liderados por tropas virtuais toda vez que publicavam reportagens críticas a determinado grupo político. Aqui, é comum vermos autores de matérias contrárias a interesses da extrema-esquerda e direita serem linchados de maneira inclemente nas redes, como se atravessassem um corredor polonês.