quarta-feira, 1 de março de 2017

"O fatal rombo da Previdência", editorial do Estadão

A manutenção das regras atuais não traz esperança nenhuma a quem quer que seja – ao contrário, seria uma tragédia para os trabalhadores


Como era previsível, o projeto de reforma da Previdência, enviado pelo governo ao Congresso Nacional, vem enfrentando resistência de alguns setores, que o acusam de ser desnecessário e nutrem a esperança de manter as coisas como estão. Na verdade, a manutenção das regras atuais não traz esperança nenhuma a quem quer que seja – ao contrário, seria uma tragédia para os trabalhadores –, tendo em vista que o atual estado das contas da Previdência é absolutamente insustentável, como mostra recente levantamento das contas previdenciárias incluindo a União, os Estados e os municípios, feito pelo Estado a partir dos números do Ministério do Planejamento.
Segundo o estudo, que incluiu as aposentadorias e pensões do setor privado e do público, o déficit das contas da Previdência da União e dos Estados atingiu em 2016 o valor de R$ 316,5 bilhões. Até então, eram conhecidos apenas os déficits do regime de Previdência dos servidores da União (R$ 77,2 bilhões) e do INSS (R$ 149,7 bilhões).
Esse rombo de R$ 316,5 bilhões representou um crescimento de 44,4% em relação ao déficit de 2015, o que evidencia o desajuste das atuais regras da Previdência. Os números globais só não foram piores em razão do superávit de R$ 11,1 bilhões registrado nas contas da Previdência dos municípios. O rombo geral – que inclui União, Estados e municípios – foi de R$ 305,4 bilhões. Tal valor representa o quanto a população brasileira teve de bancar, por meio dos seus impostos, para que as aposentadorias e pensões fossem pagas em 2016.
Como lembrou o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima, “os números mostram que a reforma da Previdência não é um problema só da União. É um desafio nacional”. Frisou ainda que, para ter uma fotografia real da Previdência no País, é preciso olhar os números em seu conjunto, e não apenas os do regime geral, do INSS. “Há um vício de olhar a trajetória apenas do Regime Geral de Previdência Social”, destacou Lima.
O desequilíbrio da Previdência do setor público é gritante. Segundo Arnaldo Lima, para cada aposentado na União e nos Estados há apenas um trabalhador na ativa. Nos municípios, a relação atual ainda não é tão ruim. São quatro trabalhadores na ativa para um inativo, proporção que sustenta o atual superávit da previdência dos municípios. De toda forma, em razão do envelhecimento da população, a tendência dessa proporção é apenas piorar.
Nos Estados, a situação já é dramática, com uma contínua piora dos números. Segundo a estimativa de Leonardo Rolim, consultor da Câmara dos Deputados, o déficit com a Previdência dos servidores estaduais deverá ser, até 2020, de pelo menos R$ 120 bilhões. No ano passado, o rombo previdenciário dos servidores dos Estados e Distrito Federal foi de R$ 89,6 bilhões.
O valor do rombo da Previdência em 2016, de R$ 305,4 bilhões, assusta, mas suas causas não são nenhuma surpresa. A população brasileira vem envelhecendo, o que acarreta uma nova proporção entre aposentados e população economicamente ativa. Além disso, a crise econômica no passado levou a um forte aumento do desemprego, com a consequente redução do número de contribuições para a Previdência.
Diante desse quadro, não é preciso muito esforço para reconhecer a impropriedade das atuais regras da Previdência. Ao gerarem déficits cada vez maiores, elas simplesmente funcionam ao contrário do que deveriam, pois deixam de garantir exatamente o que mais deveriam garantir – a sustentabilidade da Previdência no longo prazo. Por isso, além dos evidentes efeitos perversos sobre as contas públicas – o déficit provoca desequilíbrio fiscal e o perverso endividamento do Tesouro –, o desajuste previdenciário é também uma perversidade com o trabalhador, que paga hoje as suas contribuições e espera, com razão, receber uma aposentadoria que poderá não existir no futuro. A reforma que está no Congresso pode amenizar essas dramáticas consequências. Rejeitá-la, como querem algumas lideranças irresponsáveis de partidos e movimentos sociais, será condenar as gerações futuras a uma perigosa insegurança.