Leandro Prazeres
Do UOL
- Caixa Econômica Federal/ArquivoMoradores dos conjuntos residenciais Viver Melhor 1 e 2, em Manaus, criticam a qualidade da obra e a falta de serviços públicos como escolas e postos de saúde no local
Em Manaus, o maior conjunto habitacional construído pelo programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, tem ao menos 4.000 pessoas vivendo em situação de risco crítico. A conclusão está em um laudo elaborado pela DPE-AM (Defensoria Pública do Estado do Amazonas) e faz parte de uma ação civil pública movida pelo órgão em fevereiro deste ano contra a União, a Caixa Econômica e o governo do Amazonas, com uma indenização pedida no valor de R$ 133 milhões. O laudo detectou infiltrações, falta de drenagem, vazamentos, rachaduras em paredes e até fissuras em lajes de pelo menos mil apartamentos.
A União, o governo do Amazonas e a construtora Direcional, responsável pela obra, disseram não terem sido notificados pela Justiça. A Caixa rebateu o resultado do laudo, mas disse que enviará uma equipe técnica para avaliar as supostas irregularidades apontadas pela ação.
Inaugurados em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), os conjuntos residenciais Viver Melhor 1 e 2 são considerados os maiores empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida em todo o Brasil. Ao todo, foram construídos 8.895 apartamentos em uma área na zona norte da capital amazonense, a pouco mais de 20 quilômetros do centro da cidade. Os apartamentos se destinavam à chamada faixa 1 do programa, onde se situam as famílias com renda de até R$ 1.800.
A construção dos residenciais foi feita pela construtora Direcional Engenharia com recursos liberados pela Caixa Econômica, enquanto a distribuição dos apartamentos ficou sob a responsabilidade do governo amazonense por meio da Suhab (Superintendência de Habitação do Amazonas).
Pouco mais de dois anos depois de inaugurado, porém, em 2014, os primeiros problemas no conjunto começaram a ser relatados pelos moradores.
Em 2015, técnicos da DPE e do Corpo de Bombeiros fizeram uma vistoria em aproximadamente mil apartamentos e constataram "anomalias e falhas de construção" como fissuras nas lajes, vazamento de instalações sanitárias, infiltrações, rachaduras nas paredes e falta de manutenção no sistema de drenagem e esgoto. A Caixa estima que cada apartamento seja ocupado por uma média de quatro pessoas.
"Frente às suas condições precárias de habitabilidade [...], classificamos a edificação do residencial Viver Melhor de uma forma global como de grau de risco crítico [...], sendo necessária a intervenção imediata para sanar as irregularidades", diz um trecho do laudo.
De acordo com o Ibape (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia), grau de risco crítico é aquele em que as construções provocam danos à saúde e à segurança das pessoas e do meio ambiente.
"O governo estadual criou um verdadeiro gueto", diz laudo
Na ação movida pela DPE-AM, o defensor público Carlos Alberto Souza de Almeida Filho menciona a baixa qualidade dos materiais utilizados na obra.
"A própria baixa qualidade dos materiais empregados nas obras se encontra destacada [...] a péssima qualidade das obras, a gerar rachaduras, infiltrações, curtos-circuitos, rompimento de tubulações, vazamentos de esgotos, mofos e toda consequência de um péssimo serviço prestado pela Suhab, com a utilização despreocupada dos recursos do Estado e da União", afirmou.
Em outro trecho, Almeida Filho classifica os residenciais Viver Melhor 1 e 2 como verdadeiros "guetos" em razão da ausência dos chamados "equipamentos urbanos" como escolas e postos de saúde em número suficiente.
"O governo estadual criou um verdadeiro gueto: uma cidade dentro da cidade, para onde se acossaram todos aqueles que se parece não querer ver", diz a ação.
Outro lado
Procurado pelo UOL, o governo do Amazonas, por meio da Suhab, disse não ter sido notificada pela Justiça em relação à ação movida pela DPE-AM e que, por isso, não poderia se manifestar.
Justificativa semelhante à que foi dada pela AGU (Advocacia-Geral da União), responsável por fazer a defesa da União em casos como esse. Em nota enviada por e-mail, a assessoria de imprensa do órgão disse que "ainda não houve citação da União na referida ação, razão pela qual no momento não há como a AGU responder a alguns dos questionamentos feitos", disse. A nota ainda disse que não é atribuição legal da União fiscalizar as obras do Minha Casa, Minha Vida.
A Caixa, por sua vez, contestou o resultado do laudo apresentado pela DPE. "A Caixa informa que não procede a informação de que mil unidades habitacionais apresentam risco crítico aos moradores do residencial. Os empreendimentos do Minha Casa são construídos seguindo padrões de qualidade exigidos pela portaria que regula o programa", disse o banco, por meio de nota enviada ao UOL.
A Caixa disse que o banco não foi notificado e que adotará as medidas cabíveis assim que tiver acesso ao conteúdo da ação.
O banco disse ainda que a responsabilidade por problemas nas obras é das construtoras e que a "qualidade do material empregado nos empreendimentos também respeita necessariamente as normas estabelecidas e segue a legislação vigente". Mesmo assim, a Caixa disse que enviará uma equipe técnica para os residenciais Viver Melhor 1 e 2.
A Direcional Engenharia, responsável pela construção dos apartamentos, por meio de nota, disse que "não possui conhecimento da discussão judicial" movida pela DPE-AM e que a empresa não recebeu nenhum tipo de citação ou intimação referente ao processo.