Joshua Roberts/Reuters | |
O presidente Donald Trump fala durante jantar aos governadores na Casa Branca no domingo (26) Folha de São Paulo Deficitária desde o começo, a relação entre o governo de Donald Trump e a mídia norte-americana azedou de vez com o veto de acesso de alguns meios à sala de briefing da Casa Branca. O evento acabou levando a uma comoção global contra o ímpeto autoritário de Trump e sua equipe. Apesar do ranger de dentes natural e obrigatório entre os que têm apreço pela democracia, neste momento a guerra é boa tanto para o presidente quanto para a mídia. Comecemos por ele. Personalidade narcísica clássica, Trump soa amalucado, mas há cálculo no que faz. Como um Jânio Quadros com armas nucleares, digamos. Impopular em níveis inéditos para um presidente em começo de mandato, resta a Trump falar aos seus. E os seus são os mesmos que colocam a Breitbart News, casamata da ultradireita que era comandada por seu estrategista-chefe, Stephen Bannon, muito acima em termos de credibilidade do que o "The New York Times", por exemplo. Eles não mudarão de ideia, e só irão aplaudir quando Trump anuncia que não participará do jantar dos correspondentes em Washington com o presidente. O "NYT" e seus congêneres, a chamada mídia de prestígio, têm sua parcela clara de responsabilidade pela crise atual. Primeiro, até por terem menosprezado Trump, esses atores acabaram optando por uma cobertura de guerrilha contra a novidade política. Faltou equilíbrio, nem que fosse para tentar entender o fenômeno. Se aqui no Brasil jornalistas ora são acusados de serem "petistas" por revelarem mazelas do governo Temer, ora de "golpistas" por terem feito o mesmo com Dilma Rousseff, o que se viu no ano passado nos EUA foi algo brutal. É possível argumentar que seria praticamente inviável cobrar isonomia plena, dado o caráter algo grotesco da candidatura Trump, mas o preço a pagar é que o agora presidente tem ouro na mão. A campanha negativa favorece a construção da imagem de vítima de uma conspiração das elites, discurso que encontra eco idêntico na voz de Luiz Inácio Lula da Silva e seus fãs no Brasil. Se ressoa junto à minoria que apoia o republicano, missão cumprida: os progressistas da Nova Inglaterra não irão passar a admirá-lo de qualquer jeito. Do lado da imprensa, o ganho evidente está no reforço de sua imagem como guardiã dos direitos constitucionais. É histórico o papel fiscalizador que lhe foi concedido pelos "pais fundadores" da nação, avessos a qualquer governo forte que pudesse emular o jugo imperial britânico sobre as recém independentes colônias. A briga com Trump vem em ótima hora. Enfraquecida financeiramente pelo desafio a seu modelo de negócios representado pelos gigantes da internet e pela ressaca da crise de 2008, a mídia viu sua reputação esvair-se nos últimos anos. Segundo pesquisa do Pew Research Center em 2016, só 18% dos americanos confiam totalmente nos grandes meios -ainda melhor do que os 4% que sentem o mesmo pelas redes sociais. Evidentemente, questionamento crítico é o que se espera da imprensa, não só nos EUA. Mas não é preciso ser cínico para ver o ganho potencial para uma indústria em dificuldades. O próprio "NYT" anunciou aumento no número de assinaturas após a eleição de Trump. O problema desta situação é o estabelecimento dos limites. Até que ponto irá a campanha de destruição mútua entre Casa Branca e as empresas de comunicação? Trump até evitou críticas mais duras às últimas em seu discurso ao Congresso na noite desta terça (28), mas pareceu mais uma concessão ao ambiente em que falava do que alguma mudança de rumo. No caso das empresas, como balancear o ímpeto da crítica agravada pelo insulto do outro lado com práticas jornalísticas que visem a imparcialidade possível? O risco está em transformar involuntariamente tudo em "fake news", dada a dificuldade de discernir informação de torcida. E aí, ficando ou não no cargo, Trump terá vencido essa guerra particular. E todos, mídia e população, sairão perdendo. |