Maria Lima e Jailton de Carvalho - O Globo
Ministério Público é convidado a discutir mudanças no texto do projeto
Em uma estratégia de redução de danos de imagem do Congresso Nacional, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), decidiram levar o Ministério Público (MP) para dentro da discussão do projeto de lei sobre abuso de autoridade.
O clima no Senado é de aprovar, a toque de caixa, o relatório do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que endurece as punições e amplia as hipóteses em que autoridades públicas podem ser enquadradas. A proposta, de autoria do líder do PMDB, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), é vista dentro do MP como uma tentativa de engessar investigações.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aceitou o encontro com Maia e Eunício, mas entregará nesta terça-feira a eles um anteprojeto com propostas alternativas ao projeto original de Renan. O procurador diz estar de portas abertas para discutir com o Congresso um novo projeto sobre o assunto:
— Como sempre estou de portas abertas. Jamais fecho portas para o diálogo.
Ano passado, quando o então presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros senadores tentaram ressuscitar um projeto de abuso de autoridade, o procurador-geral e outros colegas de Ministério Público reagiram com veemência. Para eles, a proposta em pauta naquele momento tinha um claro propósito de limitar, e até mesmo inibir, a atuação de investigadores responsáveis por grandes investigações sobre corrupção, especialmente de procuradores e delegados da Operação Lava-Jato. Desde então, um grupo de auxiliares de Janot está preparando um anteprojeto sobre o assunto. Seria uma proposta mais abrangente, que teria apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Desde a polêmica Operação Carne Fraca, há dez dias, o projeto de abuso de autoridade vem ganhando força. O senador Pedro Chaves (PSC-MT) é um dos parlamentares que antes era contra o projeto e agora mudou de ideia e vai votar a favor.
— Eu era totalmente a favor da Lava-Jato, mas temos que coibir abusos de autoridade em todas as instâncias, do delegado ao presidente da República. A matéria será amplamente discutida nas comissões, não será a toque de caixa. O projeto é oportuno — defendeu Pedro Chaves.
Essa opinião é compartilhada por outros senadores.
— A operação Carne Fraca criou um clima bem favorável à aprovação do abuso de autoridade, aquele delegado dando entrevista ao vivo e o estrago que fez na indústria nacional de carne. Os senadores que não iam votar o projeto do Renan, agora vão. Vai passar pela CCJ e votar no plenário o mais rápido possível — disse um senador peemedebista, reservadamente.
Na semana passada, a aprovação do projeto começou a ser vinculada à votação do fim do foro privilegiado. Relator do fim do foro, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o autor da proposta, senador Álvaro Dias (PV-PR), dizem ter certeza que os articuladores dos maiores partidos vão aprovar o abuso de autoridade, independente da votação do outro projeto.
— A disposição deles é votar o projeto de abuso de autoridades semana que vem, de qualquer jeito. Vou pedir vista do relatório do Requião, mas vão conceder no máximo uma semana, depois vão votar e tem maioria para aprovar — disse Randolfe.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Edison Lobão (PMDB-MA), pautou a leitura do relatório para amanhã, em regime de urgência. A estratégia é votar o mais rápido possível na comissão e no plenário.
O relatório de Requião prevê inclusive pena de prisão de até quatro anos e perda do cargo, em caso de reincidência, para crimes de abuso cometidos por agente público — incluindo servidores, integrantes do Ministério Público e dos poderes Judiciário e Legislativo, de todas as esferas da administração pública: federal, estadual, distrital e municipal.
Preocupados com a reação da opinião pública, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, durante um almoço anteontem na casa do líder do DEM, deputado Pauderney Avelino (AM), acertaram de pedir a Janot que enviasse as propostas do Ministério Público para serem discutidas junto com o projeto de Renan no Senado.
A maior preocupação do juiz Sérgio Moro e de integrantes do Ministério Público é com a manutenção do artigo que trata do chamado crime de hermenêutica — ou de interpretação — que pode levar um acusado a pedir a punição do magistrado que o transformar em réu, se depois for inocentado no julgamento da instância superior.
— Na quarta-feira (amanhã) vou ler meu relatório na CCJ e há clima para aprovar no plenário. O projeto é muito bom, complementa o fim do foro, acaba com privilégios e penaliza abusos. Já conversei com todo mundo, do Ministério Público, o juiz Moro veio aqui. Aceito sugestões, só não aceito indulgência plena para que os magistrados interpretem a lei a seu alvitre — disse Requião.