No primeiro discurso presidencial proferido no Congresso desde que chegou à Casa Branca, Donald Trump surpreendeu pelo tom conciliador e o apelo à unidade da nação.
Diante de uma opinião pública surpresa e desconfiada, pela primeira vez o presidente americano falou como chefe de governo, abandonando o tom beligerante que marcou sua campanha eleitoral e as primeiras semanas no Executivo, e lhe valeu o pior índice de aprovação de um presidente em início de gestão — entre 38% e 50%, abaixo da média histórica, de 60%.
No discurso inaugural do mandato, Trump falou para seus eleitores e criticou o establishment político de Washington. Desde então, houve uma sucessão de palavras e medidas duras, gerando reações de instituições e da sociedade. Sua xenofobia, por exemplo, virou medida de governo, com a tentativa, via ordem executiva, de vetar a entrada no país de imigrantes de sete países de maioria muçulmana — o que acabou barrado pela Justiça —, e a ofensiva contra imigrantes ilegais iniciada na semana passada. Estas ações estimularam crimes de ódio no país, como o assassinato de um engenheiro indiano e o vandalismo contra cemitérios judeus.
Trump não poupou aqueles vistos como oposição ou alvos de sua “revolução populista”. Internamente, atacou Hollywood, o setor de inteligência, e a imprensa — a quem acusou de ser o maior inimigo do povo americano, chegando a vetar veículos como “New York Times” e “CNN” de participarem de coletiva na Casa Branca. Externamente, foi muito descortês com seus colegas mexicano e australiano, e ameaçou retirar o apoio à Otan, deixando a Europa vulnerável.
No Congresso, porém, o tom foi outro: “O momento de brigas triviais passou”, disse Trump, que, antes, anunciara um abrandamento da política de imigração, admitindo a possibilidade de legalizar a situação de estrangeiros sem antecedentes criminais que vivem no país.
Analistas veem a mudança de tom como um aceno aos parlamentares, de quem depende para aprovar um aumento de US$ 54 bilhões no Orçamento, para elevar gastos militares, entre outras medidas, como um novo plano para a Saúde, a reforma tributária e as políticas de incentivo à infraestrutura.
Antes mesmo do discurso aos congressistas, Trump já vinha emitindo sinais ambíguos.
Apesar de manter a promessa de construção de um muro entre os EUA e o México e rever o Nafta, o presidente americano enviou os secretários de Estado, Rex Tillerson, e de Segurança Interna, John Kelly, para tentar atenuar a tensão diplomática com o vizinho.
Também despachou o vice-presidente, Mike Pence, à UE, para reiterar o compromisso de apoio aos países do bloco e à Otan, apesar de manter críticas aos aliados europeus.
A desconfiança da opinião pública se justifica. O presidente americano parece oscilar entre o nacional-populismo de seu estrategista, Steve Bannon, e o republicanismo tradicional. E não se sabe, ainda, qual é o verdadeiro Trump.