Um dos pais do Real, o economista André Lara Resende lança o livro 'Devagar e simples'. Por e-mail, ele falou sobre recessão, desigualdade, tamanho do Estado, China, inflação e a crise política: 'Ainda não é possível ver como será revertida'.
O livro trata de desigualdade e das conclusões de Thomas Piketty de que a distribuição de renda vai voltar aos níveis do século XIX.
Como impedir o aumento da desigualdade por aqui?
O Brasil está no início de uma recessão que, infelizmente, pode ser longa e profunda. A brusca interrupção do crescimento tende a agravar as desigualdades, pois os mais pobres são os mais afetados por recessão e desemprego. Mas o mero crescimento não garante a superação das desigualdades. A experiência do século XX, como mostra Piketty, é clara: pode haver reconcentração de renda e riqueza ainda que com alto crescimento. O desafio de reduzir a desigualdade exige mais que mero crescimento. Isso sempre foi verdade, mas com o avanço da tecnologia, deverá ser ainda mais verdade neste século XXI. As sociedades avançadas não terão como evitar a ampliação dos programas de transferência de renda, para garantir um nível mínimo de qualidade de vida aos menos favorecidos. O desafio é como fazê-lo sem aumentar o peso do Estado, que dá sinais claros de estar perto de atingir o limite do administrável. No Brasil, o Estado é caro como nos países mais desenvolvidos e incompetente como nos mais atrasados.
O senhor cita o impacto da revolução tecnológica nos serviços. Como fica o emprego no setor no Brasil?
As economias avançadas estão se desindustrializando. É o resultado do avanço da tecnologia. Assim como o emprego industrial substituiu o emprego na agropecuária, o setor de serviços tem absorvido a mão de obra liberada pela indústria. O problema é que agora o avanço da tecnológico tem reduzido também o emprego nos serviços. Para um país como o Brasil, já moderno na tecnologia, mas que ainda não superou muitos problemas do subdesenvolvimento e da pobreza extrema, o desafio será redobrado.
O senhor diz que a má política econômica produz mais estagnação e recessão do que a boa política produz crescimento. O que fizemos de errado na ânsia de continuar crescendo? O senhor classificou a política econômica dos últimos anos como "incompetente e anacrônica", o que é preciso ser feito agora? Tem a mesma opinião em relação à política do ministro Joaquim Levy?
Má política econômica produz, com certeza, recessão e estagnação. Em contrapartida, a boa política não produz necessariamente crescimento acima da média mundial. Tentar crescer sistematicamente acima da média mundial é a fórmula para provocar grandes crises. Países que se desenvolveram, com raras exceções, cresceram devagar e sempre. Surtos de crescimento acelerado terminam, quase sempre, em crise e estagnação prolongada.
Agentes econômicos temem mais a instabilidade política que a recessão...
A crise política agrava a crise econômica provocada por uma política econômica anacrônica e equivocada, a partir de 2008. A crise financeira nos países centrais foi usada para justificar o aumento irresponsável dos gastos públicos. Sob pretexto de implementar uma política anticíclica "keynesiana", partiu-se para uma demagógica política de subsídios, transferências e aumento dos gastos do governo que quebrou o Estado. A crise política e a revelação da corrupção institucionalizada se sobrepõem às dificuldades da economia. O quadro é muito complicado. Ainda não é possível ver como será revertido.
Como se preparar para o envelhecimento rápido da população?
A redução do crescimento demográfico, já em curso no Brasil, reduz o crescimento potencial da economia e agrava os problemas da Previdência Social. Uma economia que tem muito mais jovens em idade de trabalhar do que velhos tem mais facilidade de ser generosa com os aposentados. A reversão do crescimento demográfico até uma eventual estabilização da população trará novos desafios. O risco é, como disse Marcos Lisboa, ter um país que envelheceu antes de enriquecer.
Aumentou o nível de instrução da mão de obra, mas da produtividade, não.
Produtividade é escola, mas é muito mais do que isso. O inferno burocrático, a regulamentação kafkiana, a corrupção são detratores da produtividade. A educação é muito fraca. A educação pública básica segue lastimável. O acesso ao ensino superior aumentou; a qualidade, não.
E a China?
O crescimento acelerado levou ao aumento dos preços internacionais das matérias-primas. Como somos exportadores de matérias-primas, fomos beneficiados. O resultado é equivalente a uma transferência de renda do resto do mundo para nós. Deveríamos ter aproveitado para investir bem na modernização da infraestrutura e no aumento da produtividade. Não foi o que fizemos. Ao contrário, de forma perdulária, gastamos com o aumento irresponsável dos gastos do governo e com subsídios ao consumo e à indústria obsoleta. Não faz sentido agora, quando a benesse dos ganhos de troca acaba, responsabilizar a China pelos nossos problemas. Deveríamos ter sabido usar o presente que a China nos proporcionou durante mais de uma década.
Há dois capítulos sobre os protestos de 2013. Como vê o fenômeno hoje?
Foram expressão de mal-estar num país que, aos trancos e barrancos, tinha progredido, deixado para trás a inflação crônica, conseguido avanços nos indicadores sociais e queria mais. Queria melhora da qualidade de vida, da mobilidade urbana, da segurança, da educação e da representatividade política. É triste, mas não progredimos nessa direção, ao contrário, regredimos. Estamos diante de uma recessão que pode vir a ser profunda e da perspectiva de longa estagnação, sob risco de regredir em todas as dimensões.
A inflação está fora de controle?
A inflação está perigosamente acima da meta. Não parece ainda fora de controle, mas a crise política e a forte desvalorização cambial vão fazer com que o retorno à meta seja mais lento e penoso do que se poderia prever.