NA CBN/Oglobo
O mercado não ficou estressado com a vitória da extrema esquerda na Grécia. Mesmo tendo chegado ao poder atacando a austeridade e pedindo revisão de dívida, o novo primeiro-ministro Alexis Tsypras provocou reações concentradas aos títulos gregos, sem contágio da moeda comum ou dos vizinhos em situação parecida.
O mercado não está reagindo com nervosismo. Isso acontece porque a União Europeia criou mecanismos para evitar o contágio. O medo não é com os efeitos na economia grega, que é muito pequena. O risco maior para o grupo é que a crise se espalhasse. Nesse aspecto, o mais importante não é o que o vencedor fará em relação à dívida. O ponto é a maneira que a Europa vai tratar os pedidos gregos de desconto. Se fizer isso, outros países como a Espanha buscarão rediscutir seus acordos de dívida, mesmo tendo feito ajustes e saído do pior momento da crise.
A Grécia chegou e ficou nessa situação porque era o pior caso, uma economia pequena e com uma péssima relação de dívida com o PIB. Houve corte de salário, de gastos, as ações caíram cerca de 40%, vieram as demissões e o desemprego saltou.
É natural um movimento de reação da sociedade. Tsypras, um jovem de 40 anos que venceu com um partido que cresceu nesse ambiente de insatisfação, mostrará agora como vai governar. O afastamento em relação à Troica econômica, o fim da austeridade, da dor e da humilhação entraram no discurso após a eleição. Mas em março tem € 4,2 bi para pagar em juros. Vai negociar ou não?
O jornal inglês “Financial Times” pergunta se Tsypras agirá como Lula ou Hugo Chávez. A comparação com o brasileiro não faz muito sentido. O presidente Lula aplicou uma política econômica distinta daquela que havia defendido durante sua carreira, mas, quando ele assumiu a presidência, o Brasil estava em situação bem diferente dessa vivida pela Grécia. O país tinha problemas, dívidas — até aquela contraída junto ao FMI para ajudar na transição — e também dúvidas sobre o que Lula faria com o plano de estabilização. Mas não era uma crise grega, com cinco anos de recessão e com a dívida chegando a 175% do PIB.
As situações econômicas não se parecem. O que o FT quer saber é se Tsypras fará um acordo, se terá um comportamento menos agressivo do que mostrou na campanha, ou se será briguento como Chávez. Acho que não cabe nenhum dos dois paralelos.
Nas palavras, Tsypras usou bem a retórica quando pediu o mesmo tratamento dado à líder da austeridade na Europa, a Alemanha, que no pós-guerra teve parte de suas dívidas perdoadas. Os vencedores fizeram um acordo e facilitaram o pagamento.
A todos os mecanismos criados para isolar o risco de pagamento da Grécia se juntou o programa do Banco Central Europeu que vai colocar € 1,1 trilhão na economia, anunciado semana passada. Esse dinheiro será injetado pelo BCE em todos os países da região.
Será interessante saber como o novo primeiro-ministro vai sair do discurso radical para a realidade. Logo de manhã ele foi negociar com os Gregos Independentes, conservadores, e não com o Partido Comunista, a origem de Tsypras. Os dois partidos têm quase o mesmo número de cadeiras.
Deixou de acontecer aquele fim de mundo na Europa a cada aproximação da Grécia do abismo do calote. Hoje, o risco grego está aumentando e o de outros países da zona do Euro não. O mecanismo de isolamento tem funcionado.
A chegada ao poder de um partido de extrema esquerda depois de 200 anos é boa, renova o cenário político. Será interessante saber como irá evoluir.
E viva a democracia!
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