Parecia, quase, um fim de governo, e não um começo.
Nem os tais 800 ônibus fretados pelo PT conseguiram preencher sequer parte do amplo espaço da Praça dos Três Poderes, em Brasília, para a posse da presidente Dilma em seu segundo mandato. A solenidade toda de posse, no Congresso, e o recebimento da faixa e posterior discurso no Parlatório do Palácio do Planalto, depois, constituíram uma festa chocha, artificial, destituída de espontaneidade e de entusiasmo.
O pior, porém, foi o discurso da presidente à Nação. Interminável, recheado de números, estatísticas e realizações em boa parte contestáveis, autocongratulatório, autocentrado, teve o permanente tom de fala de palanque, de campanha eleitoral.
É uma missão penosa comentar o discurso em detalhes. Não vou fazê-lo.
A presidente leu o texto como se fosse uma bula de remédio, como se se tratasse de uma tabela de Excel.
Não vi emoção alguma em seu rosto, não vi convicção nenhuma em sua parca linguagem corporal, não vi ênfases e, sobretudo, conteúdo.
Onde estão indicações de que país ela pretende? (Mencionou um “projeto de nação” que teria sido apoiado pela população — a despeito de metade dos votos terem ido para a oposição na eleição presidencial — mas nada, do que relacionou a seguir, continha esteios de qualquer projeto que não fosse mais do mesmo).
Onde sua indicação de que lugar pretende que o país ocupe no mundo?
Onde as referências históricas sobre grandes e inspiradores momentos da República como marcos a serem assinalados?
Onde citações sobre grandes pensadores do país?
Foi um parco, tedioso relatório, blindado ao Brasil real que existe fora do Palácio do Planalto, proferido por uma “gerentona” que desfiou um rosário de méritos, ignorando, para começo de conversa, ter sido seu período de governo o de pior crescimento na história de 125 anos da República, excetuados os governos do marechal Floriano Peixoto (1891-1894) e — vejam só — o de Fernando Collor (1990-1992).
Foi uma celebração de feitos que deixou de lado problemas gravíssimos, como o espetacularmente ruim desempenho das contas públicas em 2014 — o pior em quase duas décadas: seu governo se comprometeu a economizar 99 bilhões de reais para pagar os juros da dívida (que, por sinal, vem sistematicamente deixando crescer) e o resultado pífio, ridículo, foi um… déficit de 19,6 bilhões.
Um palavrório que mencionou “ética na política”, em reforma política (promessa de 2011 que nem tentou cumprir) e em combate à corrupção sendo, contudo, figura-chave de um partido atolado até o pescoço no maior escândalo de roubalheira de todos os tempos, o Petrolão, destinado, justamente, a rechear cofres de partidos que a apoiam.
Um blablablá que escolheu como slogan um estranho “Brasil, pátria educadora” — e colocou o Ministério da Educação nas mãos de um político de segunda, que fez péssima gestão exatamente nessa área como governador de seu Estado, o Ceará.
O pior, porém, não é algo concreto, palpável, capaz de ser descrito fisicamente, sem forma nem peso: tudo na presidente ao longo do discurso — seu rosto, suas expressões faciais, sua linguagem corporal — estava desconectado com os feitos que ela celebrava e com os projetos, incontáveis, que ela anunciou.
Dilma passou todo o tempo a impressão de não acreditar no que ela própria dizia.
Quando isso acontece logo no primeiro dia de um novo governo, alguma coisa, definitivamente, não vai bem e está muito errada.