O Estado de São Paulo
Quem acompanha no dia a dia o noticiário internacional e nacional da
atualidade política, econômica e social não tem como escapar da sensação de
estarmos perdidos em meio a um tiroteio gigantesco, sem vislumbre de um caminho
seguro. Por aqui a impressão, além disso, é de uma corporação política descolada
da realidade e da magnitude dos problemas, cuidando apenas dos interesses
específicos e imediatos desta ou daquela porção do eleitorado que lhe interessa,
para garantir a próxima eleição - quando não se trata mesmo de interesses
financeiros pura e simplesmente.
Ainda há poucos dias o Senado aprovou a criação de mais de 20 municípios no
País, com população mínima de 20 mil habitantes no Sudeste e no Sul, 12 mil no
Nordeste, 6 mil no Norte e no Centro-Oeste. E que ganharão essas novas unidades
da Federação que já não pudessem ter como parte de outros municípios? Simples:
participação no Fundo dos Municípios, recursos para obras, talvez para
empreiteiras que financiem campanhas eleitorais.
Tudo como sempre, num país que experimenta mudanças vertiginosas - como
lembrou em artigo neste jornal (9/3) o ex-ministro Pedro Malan, ao enfatizar que
em 60 anos a população brasileira teve aumento de 160 milhões de pessoas. Fazem
parte desses números assombrosos os futuros 42 milhões das Regiões
Metropolitanas de São Paulo e Rio somadas - mais que toda a população do Canadá
de hoje, que não chega a 40 milhões, embora seja o país com o segundo maior
território, quase 10 milhões de km2; tem pouco mais habitantes que a população
rural brasileira atual, em torno de 30 milhões.
E nós ainda vamos crescer mais, até chegarmos perto de 230 milhões, segundo o
IBGE (Estado, 30/8/2013), e só deixaremos de crescer daí por diante, para
atingirmos 218,1 milhões em 2060. Mas quem está planejando o futuro de um país
que, nesse ano, precisará ter três pessoas trabalhando para sustentar duas
crianças e um aposentado? Quem no mundo político estará pensando que agora já
temos uma taxa de desemprego entre jovens extremamente alta, e poderá crescer
mais? Quem já planeja calculando que em 2030, em São Paulo, haverá mais idosos
(21,4% da população) que jovens (13,8%)? Quem pensa, a propósito de idosos, nos
absurdos índices de reajuste de aposentadoria para quem recebe mais que um
salário mínimo - e vai vendo seus rendimentos decrescerem proporcionalmente de
ano para ano, há décadas? Como viverão esses idosos? Como ajudarão os
jovens?
Melhor voltar a atenção para o mundo como um todo. E lembrar que, conforme a
ONU, vamos passar a 9 bilhões de pessoas em 2050, com a maior parte do
crescimento populacional nos países menos desenvolvidos. Neles, a imensa maioria
estará nos países mais pobres, onde mais aumentará a população - e hoje já há
mais de 1 bilhão de pessoas em pobreza extrema, mais de 800 milhões passando
fome, mais de 150 milhões de crianças, de acordo com a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com atraso no crescimento; e ainda
se passará para 2 bilhões de miseráveis no mundo.
Como prover de terras o indispensável crescimento da agricultura de
alimentos, com a desertificação aumentando 60 mil km2 por ano? Onde obter mais
água, se a agricultura já usa 70% dos recursos disponíveis? Que fazer com a
pecuária, na qual está parte considerável da emissão de metano, que contribui
para mudanças do clima? Levar o mundo a ter um telefone celular por pessoa,
quase 50% ligados à internet, em 2014, em nada beneficiará a equação, com três
quartos do planeta vivendo em cidades, mas paralisados - como nas metrópoles
brasileiras - pelos congestionamentos de trânsito.
Precisamos com urgência de novas estratégias, modernas, compatíveis com os
tempos que teremos de enfrentar. A começar, no Brasil, por uma que privilegie
nossa situação excepcional em termos de recursos naturais, recursos hídricos
(mais de 10% do total do planeta), território. Mas uma estratégia que nos leve
também a ter planejamento e ações adequados para enfrentar mudanças climáticas,
que já provocam eventos problemáticos em mais de metade dos municípios.
Tudo isso exigirá, internamente e no plano global, uma nova ética, que nos
conduza a uma nova economia, elimine o desperdício, a desigualdade escandalosa
entre países, segmentos sociais, indivíduos. Não bastará confiar em que reduzir
a população bastará ou bastaria. A taxa de natalidade brasileira já é inferior à
taxa de reposição. Com o aumento da expectativa de vida e o grande número de
mulheres em idade fértil, não se encontrará o equilíbrio apenas por aí.
Nada disso, entretanto, parece interessar a nossas campanhas políticas,
eleitorais. Onde estão, por exemplo, planejamento e recursos para eliminar nosso
escabroso panorama em matéria de saneamento básico, com quase 40% dos
brasileiros sem terem suas casas ligadas a redes de esgotos, quase 10% sem água
encanada? Onde está a solução para lixões, onde vão parar pelo menos 50% dos
resíduos? Onde a adequação do sistema de saúde, em todos os níveis? E a
educação? Não é para isso que se elegem governantes e legisladores?
E ainda não sabemos como fazer com a perda de valores "tradicionais",
coletivos ou pessoais. Não se trata apenas de saber se eram "válidos" ou não.
Mas nada se está pondo no lugar. O coletivo é substituído pela internet, que
aponta para necessidades imediatas, específicas, grupais, sem projetos
políticos. Os valores individuais simplesmente são trocados pela vontade
momentânea dos indivíduos. Como ter projetos políticos coletivos?
Mas não há como escapar. É fundamental saber que tudo vai mudar no mundo,
queira-se ou não, goste-se ou não. "Sei que nada será como antes, amanhã ou
depois de amanhã", já disseram Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. É preciso
correr.