Quando a presidente Dilma Rousseff, impressionada - para não dizer assustada
- com as grandes manifestações de junho do ano passado, cujo alvo principal eram
as graves deficiências do transporte urbano, anunciou um ambicioso programa de
obras para melhorar esse setor, qualquer observador atento pôde perceber que ela
estava prometendo mais do que poderia realizar. Nesse programa, as considerações
de ordem política e eleitoral primavam claramente sobre as de ordem técnica e
administrativa.
Tudo isso está sendo confirmado por levantamento do estado em que se
encontram os projetos, como mostra reportagem do jornal Valor. O resultado é
decepcionante. Menos de 20% dos projetos de transporte urbano em cidades médias
e grandes que contam com apoio financeiro do governo federal estão sendo
executados ou foram concluídos. Em números absolutos, a situação aparece com
maior nitidez: de 229 projetos, só 47, em 14 municípios, têm obras em andamento.
Concluídos e com obras inauguradas, apenas 6. Os demais nem saíram do papel -
estão em fase de licitação ou não passaram ainda pela de estudos de viabilidade
técnica e econômica.
Ao tentar justificar o atraso das obras desse programa, comparando-o com o
que está em execução na área de saneamento básico, a ministra do Planejamento,
Miriam Belchior, acabou se complicando. Lembrou ela que em 2007, quando o
governo federal se dispôs a destinar recursos para obras de abastecimento de
água e tratamento de esgotos de Estados e municípios, um grande número destes
não conseguiu realizar os estudos técnicos exigidos para tal.
No caso dos pequenos municípios e mesmo no de Estados mais pobres, isto era
perfeitamente previsível, pois é notório que lhes faltam condições mínimas para
isso. Mas o governo demorou a perceber que nesses casos a exigência de projetos
de boa qualidade técnica era irrealista. Aos poucos ele está conseguindo suprir
essa falha, com o oferecimento de assistência àqueles Estados e municípios.
De acordo com a ministra, hoje 60% dos projetos de saneamento básico
candidatos a receber financiamento federal já se enquadram nas exigências do
governo.
O mesmo deve ocorrer com o transporte urbano, segundo a ministra, pois também
nesse caso o governo vai financiar a realização dos estudos necessários para a
elaboração de projetos tecnicamente viáveis por parte de municípios e Estados
que não se sentem em condições de cumprir sozinhos essa tarefa. Esta é uma das
principais razões para o fraquíssimo desempenho do programa. Ora, se o governo
sabia que essa era a realidade a ser enfrentada pelas obras de transporte
urbano, com base na experiência recente do saneamento básico, só a vontade de
cortejar a opinião pública, majoritariamente simpática às manifestações de
junho, parece explicar o lançamento daquele programa com tanto estardalhaço.
É louvável que o governo tenha procurado compreender o recado das ruas, como
disse a presidente, e dar-lhe uma resposta. É o que se esperava dele. Mas pelo
visto, mais de olho na sua tentativa de se reeleger do que atenta à realidade, a
presidente escolheu o caminho errado - o da promessa insensata, para produzir
boa impressão e iludir a opinião pública. Prometeu o que não podia entregar.
Dilma Rousseff, que se pretende uma boa administradora - qualidade que seu
padrinho, o ex-presidente Lula, sempre lhe atribuiu -, deveria saber que obras
de infraestrutura, como as de transporte urbano, não se fazem da noite para o
dia, a toque de caixa. Além de grandes investimentos e estudos técnicos - para
os quais, como se viu, boa parte dos interessados não está preparada -, elas
demandam tempo. Isto salta aos olhos.
O certo teria sido, então, expor com franqueza essa realidade para a
população que sofre com a precariedade do transporte urbano, principalmente a
das grandes cidades, e propor um programa com etapas bem definidas para sua
melhoria. Em vez disso, ela preferiu o caminho fácil do ilusionismo. E o
resultado já começa a aparecer - o pífio desempenho de seu tão decantado
programa.