Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro - Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação/STF/SCO
A nova tese da PF e de Alexandre de Moraes dá uma guinada de 180° e tenta jogar a batata quente que eles mesmos arrumaram no colo de Filipe Martins
Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha Nazista, é frequentemente associado ao lema: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Embora a frase exata possa não ser dele, esse princípio guiou sua estratégia de manipulação. Goebbels usou a repetição incessante para consolidar as mentiras nazistas na sociedade alemã. Por meio de filmes, transmissões de rádio, jornais e cartazes, falsas narrativas, como a suposta conspiração judaica para destruir a Alemanha ou o “mito da punhalada nas costas” após a Primeira Guerra Mundial, tornaram-se amplamente aceitas como realidade, justificando as ações do regime de Adolf Hitler.
Esse lema foi colocado em prática com a total centralização dos meios de comunicação alemães. Goebbels aplicou o conceito de “Gleichschaltung” (“coordenação”) para eliminar vozes opositoras e unificar toda a produção cultural sob o controle nazista. Sem fontes alternativas de informação, a população alemã era continuamente bombardeada com mentiras cuidadosamente elaboradas e repetidas incansavelmente.
O cérebro por trás da máquina de propaganda e mentiras nazista retratou, por exemplo, a invasão da Polônia como uma medida defensiva, uma falsa justificativa que, por causa da repetição, pareceu plausível para muitos. A repetição constante dessas mentiras dissolveu a linha entre verdade e ficção, permitindo que o regime manipulasse a opinião pública em larga escala. Pois o Brasil de Alexandre de Moraes acaba de colocar Goebbels “no chinelo”, como diz o ditado popular. Não é difícil imaginar o ministro de uma das eras mais sombrias da humanidade olhando estupefato para o ministro de uma das eras mais sombrias do Brasil e dizendo: “Estou maravilhado!”
Qualquer semelhança não é mera coincidência - Ministro Alexandre de Moraes, durante sessão do STF | Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
A mais recente cartada de Moraes e sua polícia privada mataria de inveja qualquer membro da Gestapo: tentar incriminar opositores do regime não apenas com mentiras e mais mentiras, mas, quando elas “não se tornassem verdade”, mesmo com a incansável repetição, distorcê-las ao ponto mais patético — tão absurdo que até chegamos a questionar a nossa sanidade mental.
Em mais uma semana recheada de notícias tiradas de uma obra de Orwell, a Polícia Federal divulgou nesta quinta-feira, 21 de novembro, que Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro, “simulou ter ido aos EUA para se esconder da polícia”. Sim, você leu corretamente: Filipe Martins, que ficou preso por mais de seis meses com base na alegação de que havia saído do país sem registro, burlando o sistema migratório, agora está sendo acusado de, na verdade, “simular registros” para enganar a Polícia Federal e fazê-la acreditar que ele havia saído do país.
Durante muito tempo, a tese da polícia de Moraes e do ministro basicamente afirmava que Martins havia saído do Brasil sem ninguém ver, que ele entrou nos Estados Unidos da América também sem ninguém ver, já que não havia documentação de entrada, e saiu sem ninguém ver novamente — já que ele foi preso na residência de sua noiva, no sul do Brasil. Praticamente o novo Houdini.
A cronologia da perseguição a Filipe é digna de filmes. Depois de comprovar com passagens aéreas de Brasília para Curitiba que não havia viajado para fora do Brasil, a defesa do ex-assessor comprovou por meio de documentação da polícia alfandegária de Orlando que a última entrada de Filipe Martins nos EUA havia sido em 20 de setembro de 2022, no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York. Na ocasião, o ex-assessor acompanhou o então presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU.
Depois que a informação oficial do Departamento de Imigração dos EUA virou notícia no Brasil, curiosamente “uma nova entrada” para Filipe foi “encontrada no sistema” migratório americano — dessa vez em Orlando. No entanto, na “nova entrada” o nome de Filipe estava registrado incorretamente (estava grafado “Felipe” com “e”, enquanto seu nome se escreve com “i”: “Filipe”). O número do passaporte inserido também estava errado, era um antigo número de um passaporte diplomático que havia sido perdido e cancelado pelo próprio Filipe dois anos antes.
A defesa de Martins imediatamente apontou os erros crassos no novo registro, enviando cópias de seu documento válido e mostrando a impossibilidade de Filipe ter entrado nos Estados Unidos naquela data, ainda mais com um passaporte diplomático cancelado. O órgão respondeu que corrigiria a informação, mas, no lugar de apagar a entrada que a defesa comprovou não ser correta, apenas substituiu os dados no sistema pelos dados atuais de Filipe.
A defesa de Martins então acionou as autoridades federais americanas, e uma investigação foi formalmente aberta por instâncias superiores. Três semanas depois, o caso foi concluído, verificando que havia anomalias no procedimento e que o novo registro fraudulento deveria ser imediatamente apagado. E agora, José? Depois da “mais absoluta certeza” de que Filipe Martins havia saído do Brasil sem o devido registro migratório — e por isso sua prisão foi decretada —, a nova tese da Polícia Federal e de Alexandre de Moraes dá uma guinada de 180° e tenta jogar a batata quente que eles mesmos arrumaram no colo de Filipe, alegando que ele simulou registros para induzir a Polícia Federal a acreditar que ele havia saído do país.
Ora! Ou é uma tese ou outra — as duas não conseguem se encontrar em nenhum momento! Na verdade, elas se anulam! Se Moraes e seus comparsas na PF optarem por esse novo caminho, eles simplesmente estarão admitindo que mantiveram Filipe Martins preso com base numa mentira que eles próprios inventaram. Eles também estarão admitindo que foram negligentes e prenderam o ex-assessor sem realizar nenhuma diligência para pôr à prova a “suspeita” que tinham em relação a ele.
A estranha guinada de Alexandre de Moraes e da Polícia Federal aumenta a lista de perguntas que precisam ser respondidas urgentemente, começando pela mais intrigante: Mas há outras: Uma coisa é certa: depois da caótica política de fronteiras abertas de Joe Biden, Trump foi eleito com uma agenda firme de segurança nacional — e assim, como um caso de segurança nacional, esse assunto será tratado. Não se burla o sistema migratório americano
• Quem tentou fraudar a entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos? • A Polícia Federal ou alguém ligado à instituição tem alguma participação nessa fraude? • Por que só agora, após a vitória de Donald Trump, a tese da migração foi mudada — e de forma tão radical? • Quem estaria com receio de que o governo Trump investigue as digitais que tentaram falsificar a entrada de Filipe nos EUA — entrada que nunca teve saída? • A Polícia Federal vai mesmo tentar empurrar o problema para o governo dos EUA, como se o abuso judicial grotesco que cometeram contra Filipe Martins fosse fruto de uma trama bizarra em que alguém apresenta dois passaportes no ingresso aos EUA (sendo que o do Filipe estava cancelado) e não é imediatamente preso? com inserções fraudulentas sem punições severas — nesse caso, um crime federal grave.
Os algozes de Filipe Martins mentem e distorcem a verdade e agora até suas próprias mentiras — mas ainda não conseguiram tipificar seu crime, apresentar denúncia nem tampouco expor provas para o crime que ninguém sabe qual é.E a mais absoluta insanidade de Alexandre de Moraes não para apenas na tese de que Filipe foi para os EUA, mas não foi; depois foi, mas foi preso no Brasil; e agora não foi, mas fingiu que foi. Filipe Martins, depois de ser colocado ilegalmente na prisão por seis meses, segue com uma extensa lista de restrições: não pode sair à noite ou nos fins de semana, não pode sair da cidade em que vive com sua noiva, não pode postar em suas redes sociais, não pode dar entrevistas, além de precisar se apresentar semanalmente no fórum local.
Um dos presos políticos de Moraes também está usando tornozeleira eletrônica sem nunca ter sido julgado e condenado, e segue sendo vigiado pela Polícia Federal. Sua liberdade está restrita e ele continua sob injustificável censura, perseguições e abusos. Notícia publicada no Estado de S. Paulo (13/8/2024) | Foto: Reprodução/Estadão De acordo com os famosos diálogos cabulosos do Judiciário brasileiro envolvendo os dois assessores de Alexandre de Moraes, Airton Vieira e Tagliaferro, a conversa que envolvia uma possível censura à Revista Oeste trazia um “problema” — Tagliaferro teria avisado que não havia encontrado nada de errado na revista, apenas “publicações jornalísticas” que “não estavam falando nada demais”, e que não saberia como atender ao pedido do chefe Moraes para que eles encontrassem algo abominável. Então, Vieira diz ao comparsa com a naturalidade de um stalinista:
“Use a sua criatividade… rsrsrs”.
Talvez devêssemos substituir os dizeres em nossa bandeira de “Ordem e Progresso” por “Use a criatividade”. Parece ser nosso atual lema. No Brasil de condenados a 17 anos de cadeia pelo crime de escrever com batom em uma estátua “perdeu, mané”, agora temos outro horror — um cidadão que, sem cometer crime algum, é acusado de ter saído do país sem passar pelo sistema migratório, mas que agora é perseguido por não ter saído do país mas ter fingido que saiu.
O curioso é que, depois de toda essa mágica, Filipe, o Ninja, “estava escondido” em sua própria casa e lá foi preso. Um plano mirabolante. Coisa de maluco. Haja criatividade. Enquanto isso, o Brasil paga pelo crime de que “quando ele cisma é uma tragédia”.
Com Ana Paula Henkel, Revista Oeste