sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Sílvio Navarro e 'A picaretagem cultural'

 

Margareth Menezes, ministra da Cultura | Foto: Montagem Revista Oeste/Valter Campanato/Agência Brasil/IA


Como o PT montou um esquema para morder ocofre do Ministério da Cultura usando ONGs comandadas por filiados ao partido


Na última segunda-feira, 4, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem com a seguinte manchete: “Governo criou filiais do Ministério da Cultura e as deu a petistas para ‘defesa da democracia’”. O caso é daqueles em que, ao se deparar só com o título, o leitor já tem a certeza: trata-se de picaretagem com o dinheiro dos pagadores de impostos.

De largada, algumas perguntas são inevitáveis: afinal, qual é a função de um escritório desses? São necessárias 26 repartições? Quantas pessoas trabalham neles? As primeiras respostas pioram o diagnóstico: o Ministério da Cultura emprega 80 funcionários comissionados, logo, sem concurso público. A tarefa oficial é cuidar da triagem de organizações não governamentais (ONGs) interessadas nos quase R$ 60 milhões que a gestão Lula da Silva vai distribuir para a “difusão da cultura nacional”.

O uso da máquina pública para repassar dinheiro a partidos de esquerda, levantado pelo Estadão, é daqueles que vão piorando a cada linha da reportagem. Dos 26 escritórios, 19 são comandados por petistas, um por um filiado ao PSB, e outro por um militante do Psol. As demais repartições também são ligadas a políticos, mas formalmente eles não têm ficha assinada de filiação. 

É o caso da Bahia, por exemplo, em que o chefe do escritório trabalha há mais de dez anos como assessor do deputado federal Jorge Solla (PT). Há casos em que as digitais de petistas nem sequer são disfarçadas. No Paraná, a responsável pelo escritório era integrante da ONG Soylocoporti, que pertence ao petista João Paulo Mehl — derrotado na eleição para vereador de Curitiba. Agora, a ONG coordena o comitê, que obviamente já assinou contrato com o ministério. 

Em Manaus, a história é a mesma com a ONG Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia. No Distrito Federal, um dos líderes da ONG Associação Artística Mapati, que recebe dinheiro do governo, era o secretário de Cultura do PT local, Yuri Soares Franco. Hoje, ele é funcionário do próprio ministério. Qual é a conclusão desse emaranhado de ligações entre ONGs, funcionários do ministério, filiados do PT etc.? 

O bolo de recursos está sendo distribuído em fatias de pouco mais de R$ 2 milhões para cada escritório comandado pelo PT, em todos os Estados do país. 

Apesar de quase todos os envolvidos terem elo com o PT, o ministério divulgou uma nota na qual afirma que “a análise foi cega, ou seja, os julgadores não tinham conhecimento sobre quem estava concorrendo”. E continuou com a resposta-padrão: “Todas as instituições selecionadas obedeceram a critérios técnicos, não havendo questionamentos sobre as propostas de trabalho avaliadas”.

“Como estão os meus comitês culturais? Porque a única possibilidade de a gente evitar que um dia volte alguém para destruir é enraizar aquilo que a gente acredita no meio do povo, no seio do povo, nas entranhas da sociedade.” (Discurso de Lula em março, sobre os comitês culturais, em Brasília.) 

A ministra Quem comanda a pasta desde a volta de Lula ao poder é a cantora de samba-reggae Margareth Menezes. Desde que assumiu a cadeira, ela tem frequentado o noticiário pela quantidade de dinheiro que libera no atacado para artistas e — agora, sabe-se — também para ONGs engajadas. 

A ministra já disse abertamente que sua missão é reabrir os cofres fechados na gestão Jair Bolsonaro para o setor — a pasta, aliás, foi rebaixada a secretaria no governo passado. Mas Margareth disse que os artistas estão “na fila do osso” sem a esquerda no poder. Ficou assustada ao saber que o Ministério da Cultura deixou de ser frequentado pelos seus amigos de palco, por exemplo. “A ministra diz que o audiovisual é prioritário, mas o cinema brasileiro vive uma de suas maiores crises — são raros os filmes brasileiros com os quais o grande público se identifica hoje em dia. A hegemonia das pautas identitárias está destruindo o cinema nacional”, afirma Ricardo Fadel Rihan, ex-secretário nacional do Audiovisual na gestão Bolsonaro.

O orçamento da pasta para este ano vai alcançar R$ 3 bilhões. No entanto, além dos repasses diretos, há caminhos diferentes para obter recursos na área cultural, com captação e apoio da iniciativa privada e a participação de prefeituras e governos estaduais. Por exemplo, a conhecida Lei Rouanet e as mais recentes Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, ambas destinadas a ajudar o setor depois dos lockdowns da pandemia de covid-19. “É como se colocasse vitamina na veia”, disse Margareth. 

Nesta terça-feira, 5, o governo anunciou outros R$ 3 bilhões destinados por meio da Lei Rouanet. O problema é a lei? Da forma como foi idealizada, não. As empresas privadas podem deduzir do Imposto de Renda valores repassados a patrocínios culturais. O problema acontece nos ministérios, desde a triagem dos projetos até a prestação de contas. Nos governos do PT, sempre os mesmos acabam beneficiados, muitos deles frequentadores de campanhas eleitorais depois.  

Margareth Menezes precisou se afastar da agenda de shows por causa de restrições da Comissão de Ética Pública do governo. O motivo é a 08/11/2024, 13:50 Picaretagem cultural - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-242/picaretagem-cultural/ 6/10 proibição de receber cachês de órgãos públicos. Mesmo assim, teve problemas no ano passado, porque disse que tinha fechado contratos para o Carnaval em Porto Seguro (BA) e em João Pessoa (PB) “antes de virar ministra”. A comissão chegou a dizer que ela poderia cantar no palco, desde que não ficasse com o dinheiro — cachê de R$ 300 mil. Ocorre que, quando a ata da decisão saiu, os shows já tinham acontecido e ficou por isso mesmo. 

Em fevereiro, a ministra fez questão de encabeçar uma comitiva de esquerdistas que desembarcou em Cuba, com dinheiro público. A delegação reuniu artistas, escritores e apoiadores do PT, como Frei Betto e Fernando Morais. O avião levou uma carga de livros brasileiros e filmes para uma feira. Um dos destaques foi a cinebiografia do terrorista Carlos Marighella (2019). A ministra foi recebida pelo ditador Miguel Díaz-Canel. “Estar de volta a Cuba é uma sensação de estar em casa”, disse.

O que acontece na pasta da Cultura não é muito diferente do que a CPI das ONGs apurou no ano passado, no Senado, na área do Meio Ambiente. O grupo ligado à ministra Marina Silva atua da mesma forma. Há uma metodologia em colocar, na mesma equação, ONGs, assessores do governo e dinheiro público, além de cotas para o que a esquerda chama de minorias. 

O resultado, ou seja, quem fica com o dinheiro, é fácil de compreender, mas ninguém nunca fiscaliza até o fim, sobretudo o Tribunal de Contas da União (TCU). No caso dos milhões de reais distribuídos pelo Ministério da Cultura, o deputado gaúcho Luciano Zucco (PL) chegou a acionar o TCU, que provavelmente não vai investigar o caso. “Os artistas de verdade nunca estiveram tão esquecidos como agora”, diz o deputado. 

“A não ser que o sujeito faça parte da panelinha”. É justamente a “panelinha” que explica o montante de dinheiro que aparece para os artistas de esquerda quando o PT está no poder. Nos corredores do Congresso Nacional, é comum ouvir que “não existe ingresso grátis” na área da Cultura — alguém, de algum jeito, paga a conta. Uma resposta possível para essa conta bancada pelo governo é o engajamento maciço da classe artística nas campanhas eleitorais de Lula desde que o PT existe. Essa modalidade de picaretagem não é nova — é cultural.


 

Sílvio Navarro, Revista Oeste