sexta-feira, 8 de novembro de 2024

'É o povo, estúpido!' , por Adalberto Piotto

 

Apoiadores de Donald Trump durante comício em Pittsburgh, na Pensilvânia (4/11/2024) | Foto: Jeenah Moon/Reuters


Trump foi claro nas suas propostas: recuperar os valores e orgulho dos norte-americanos, como a plena liberdade de expressão e o poderio econômico


A s eleições americanas ainda causam perplexidade em muita gente, na imprensa democrata dos Estados Unidos e nos simpatizantes aqui no Brasil. Não deveriam. Os fatos são inequívocos. Donald Trump, o presidente eleito, conseguiu a maioria dos delegados nos estados e também do voto popular. O que deveria causar tanto espanto depois disso? Nada que não seja a constatação de que os incrédulos persistentes se fecharam em suas ideologias ultrapassadas e em sua arrogância de ter a certeza de que determinado grupo social, como mulheres, negros ou latinos, deveria votar exclusivamente na candidata democrata. E de que chamar alguém de misógino, fascista ou nazista bastaria para que as pessoas acreditassem. 

A vida não é tão simples assim. Tampouco são os eleitores do mundo inteiro que há muito tempo não aceitam a tutela ideológica, são autônomos, independentes e pensam com a própria cabeça. Para esses que ainda não conseguiram aceitar o resultado das urnas americanas, recorro a uma mera lição de compreensão gramatical. O óbvio costuma fazer milagres diante de estapafúrdias teorias conspiratórias. 

Para isso, vamos ao ponto do que realmente faz diferença. O povo americano elegeu Donald Trump. Assim, na voz ativa do verbo. Por consequência, então, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos pelos eleitores que o escolheram, um exemplo de voz passiva analítica. A humildade diante da língua portuguesa e da compreensão de texto são imprescindíveis, até para os revoltados com os fatos e os votos. A construção da oração — e da eleição — entre sujeito agente e sujeito paciente não dá espaço à dúvida da consequência social da eleição, que é o que importa. Portanto, a ação que gerou a consequência de Trump eleito foi causada — e decidida — pelo eleitor, a autoridade maior da democracia, o agente que decide em sistemas democráticos representativos, não necessariamente “democratas”. Atenção à grafia, por favor.

Como Trump ganhou na maioria dos condados de todos os 50 estados americanos, entre homens, mulheres, brancos, negros e latinos, a eleição está decidida. É decisão popular tomada. Entre defensores reais da democracia — a de verdade —, torna-se impossível justificar esse inconformismo da imprensa democrata americana e da amarga “esquerda festiva” brasileira. Durante a transmissão, tentavam protelar ao máximo o simples e justo ato de reconhecer a estrondosa vitória do candidato republicano, apesar das evidências dos votos apurados.

Em momentos assim, recorrer à célebre frase do marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, na eleição presidencial de 1992, é saudável. Ao explicar o mau desempenho de George Bush, que havia tido uma campanha militar exitosa na primeira Guerra do Golfo, recuperando o Kuwait das tropas de Saddam Hussein, mas perderia a reeleição, disse: “É a economia, estúpido!”. Visto que, a despeito da vitória no 08/11/2024, 13:18 É o povo, estúpido! - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-242/e-o-povo-estupido/ 3/9 exterior, a vida doméstica com uma economia ruim punia as famílias americanas. Fazendo mera analogia a partir da frase de Carville, é possível dizer aos que teimam em não entender o resultado da eleição americana o seguinte: “É o povo, estúpido!”. É ele que vota, é quem decide e pronto. Eleição e economia são feitas de gente. Tudo é feito de gente! Desconsiderar o fator gente e o livre-arbítrio da espécie humana em qualquer equação é erro grotesco ou arrogância.

Nesta eleição de 2024, os norte-americanos do país inteiro estavam incomodados com a inflação, com o preço desproporcional dos imóveis residenciais, com a falta de transparência sobre o real estado de saúde do presidente Joe Biden e, sim, com o que de fato Kamala Harris, a candidata-tampão que não passou pelas tradicionais primárias democratas, poderia oferecer aos Estados Unidos. 

Num país — como no mundo — que está preocupado com a inflação global sem fronteiras que corrói o poder de compra dos salários, isso é decisivo. Adicionem-se o incômodo com a perda dos empregos de qualidade para países acusados de concorrência desleal e de uso de mão de obra semiescrava, guerras que poderiam ter sido evitadas e tentativa de controle social com a pandemia de covid-19, quais propostas tinha a insistentemente sorridente Kamala, sendo ela a vice-presidente de um governo mal avaliado?

Ao longo de toda a campanha, a candidata democrata, que demonstrava sérias dificuldades em defender suas propostas sem ajuda de assessores, não conseguiu concatenar duas ou três frases que fizessem sentido na economia ou que explicassem como evitar a imigração ilegal que afronta a cidadania de qualquer lugar do planeta. Ignorando o que de fato importa às pessoas, ainda estressou o eleitorado com uma agenda de costumes — ao mesmo tempo radical e vazia — que tinha a pretensão de ditar comportamentos e punir quem discordasse. Como os eleitores da maior democracia e economia do mundo reagiriam? Elegendo Donald Trump numa esmagadora e histórica votação. Em cada momento de sua campanha, o expresidente republicano foi claro nas suas propostas: se voltasse à Casa Branca, recuperaria os valores e o orgulho dos norte-americanos, como a plena liberdade de expressão e o poderio econômico, a partir da reindustrialização do cinturão da ferrugem, conhecido até os anos 1970 como “cinturão da manufatura” e que foi vital na reconstrução do mundo arrasado do pós-guerra. Note que dos seis estados da região, cinco — Pensilvânia, Ohio, Michigan, Iowa e Wisconsin — deram seus votos a Trump. Além disso, os americanos puderam comparar o primeiro governo do republicano com o atual de Biden.

Fato é que havia uma campanha pragmática de propostas reais, com claro impacto em melhorar a vida das pessoas, e outra baseada na decadente agenda woke, concentrada em identitarismos que estressavam a diversa e multicultural sociedade americana. A resposta veio nas urnas. Os eleitores decidiram dizer que os Estados Unidos eram um único país, apesar das diferenças e dos diferentes, unido no propósito de recuperar empregos, a sua economia, as liberdades e o protagonismo internacional que marcam os EUA desde a Segunda Grande Guerra, no fim dos anos 40 do século passado. 

O que os americanos disseram nesta eleição com todos os votos, vídeos em redes sociais e manifestações autênticas nas ruas, no melhor estilo “vocês são a mídia agora” — da frase de Elon Musk publicada no X na noite da apuração —, guarda notável similaridade com o avanço da direita democrática no mundo. E, em certa medida, até com o resultado das eleições municipais no Brasil que rejeitou a esquerda. As pessoas decidiram dizer que acreditam no que seus próprios olhos lhes mostram. Não precisam nem aceitam mais a tutela da mídia manipuladora, de conselhos políticos de artistas pretensiosos ou de quem quer que seja. 

Em suma, numa eleição livre e democrática, como deve ser, o povo é capaz, soberano e decide por si próprio. 

Estúpidos são os que ainda não aceitam isso.


 Adalberto Piotto, Revista Oeste