Tanto a brasileira Pink Farms como a chilena Agrourbana encontraram um terreno fértil no setor. Desafio agora é acelerar o crescimento para atender o varejo e os consumidores
Elas são perfeitas: sem marcas de insetos, resíduos e livres de quaisquer contaminações. Como se fossem esculpidas à mão, hortaliças, frutas e ervas cultivadas em fazendas verticais chegam ao mercado com suas cores vivas, sabores e aromas tão realçados que conquistaram, em curto espaço de tempo, uma legião de fãs. São os consumidores dispostos a pagar o preço justo pela sustentabilidade, segurança alimentar ou praticidade, já que as colheitas das fazendas verticais saem direto “da lavoura” para o prato.
O segmento tende a crescer em todo o mundo. Uma pesquisa da inglesa MarketsandMarkets apontou que, até 2026 as fazendas verticais devem triplicar seu mercado, saltando de US$ 3,31 bilhões em 2021, para US$ 9,7 bilhões nos próximos cinco anos. Já o relatório “Indoor Farming Market Size, Share & Trend Analysis”, realizado pela indiana Grand View Research, ampliou o prazo da análise e projetou que, até 2028, o mercado global de agricultura vertical atinja US$ 17,6 bilhões.
As duas instituições apontam as mesmas razões para o aumento, e a principal é o crescimento populacional, sobretudo em países como a China e Índia, associado ao fato de as produções verticais demandarem menos recursos naturais (95% menos água e 97% menos terra, na maioria dos casos) quando comparados com os cultivos tradicionais.
Mas nos relatórios também aparecem motivos como a demanda por alimentos mais seguros para a saúde, cultivados em ambientes limpos, livres do contato humano ou de animais (Low Touch Economy), mais eficientes, desenvolvidos através de pesquisas e tecnologias para serem mais nutritivos, e mais práticos, higienizados e cortados, prontos para o consumo.
De acordo com a MarketsandMarkets, essas preocupações aumentaram consideravelmente após a pandemia de covid-19, em 2020. Nesse período, os investimentos no setor ficaram estagnados, mas no segundo semestre do ano passado, rodadas milionárias foram retomadas. Foram mais de 74 grandes negócios impulsionados no ano, só nos Estados Unidos.
Segundo os pesquisadores, a pandemia fez os consumidores despertarem para a importância da segurança alimentar e os conceitos da alimentação preventiva, já que a doença, principalmente no início, foi mortal para as pessoas com comorbidades como diabetes ou pressão alta, que precisam ter cuidado especial com a alimentação.
“A pandemia levou muitas pessoas ao consultório, em busca de orientações sobre saúde preventiva, o que inclui, em sua vertente mais importante, uma alimentação baseada em plantas”, explica o médico Alberto Peribanez, autor do livro “Lugar de Médico é na Cozinha”.
Segundo ele, no primeiro ano da pandemia, somente no seu consultório, em Sorocaba (SP), esse tipo de procura aumentou 50% e em 2021, a demanda se manteve. “As pessoas estão entendendo que se alimentar com produtos saudáveis, livres de químicos ou outros componentes, é uma arma de defesa para a saúde e a pandemia aguçou mais essa sensação”, diz. “Para determinada parcela da população, alimentos saudáveis passaram a ser um investimento necessário”.
Boom de fazendas verticais
As fazendas verticais podem ter vários modelos e formatos, mas os negócios que chamam a atenção dos investidores são baseados em construções (com fazendas desenvolvidas dentro de prédios, galpões ou topos de edifícios). O que esse modelo tem de especial? Ele é escalável.
Vídeo
https://rota2014.blogspot.com/2022/05/fazenda-vertical-tudo-que-voce-precisa.html?spref=tw
Neste caso, as fazendas podem ser urbanas ou rurais e os alimentos, produzidos em sistemas de hidroponia (as plantas têm contato apenas com água, através da raiz) ou aeroponia (com plantas suspensas e alimentadas por aspersão). As salas de cultivo são fechadas, climatizadas e o processo é cuidadosamente controlado, com sistemas interligados.
Nesse tipo de agricultura, não há uso de nenhum tipo de protetor de cultivo, químico ou biológico, mas luzes, geralmente LED, coloridas e combinadas que dão às plantas a energia para a fotossíntese. O uso da eletricidade é o que encarece o processo, já que os outros insumos são quase insignificantes.
No relatório da MarketsandMarkets, há a indicação de que, no futuro, as novas unidades de fazendas verticais já virão instaladas com alternativas de energia mais baratas e sustentáveis, como a eólica ou solar, e poderão nascer dentro de contêineres, estruturas que também são mais econômicas.
Edifícios de hortaliças, peixes e porcos
O segmento de fazendas verticais cresce tão rápido que fica difícil acompanhar a movimentação mundo afora. Mês a mês, surge “a maior fazenda vertical do mundo” e boa parte dos gestores não podem fornecer informações completas por estarem envolvidos em processos de captação de recursos.
O que se pode afirmar, até agora, é que nos Estados Unidos e na Ásia, os empreendimentos crescem em ritmo muito acelerado, inclusive puxando outros setores como o de sementes próprias para cultivos verticais. No Oriente Médio, as fazendas verticais também estão aumentando, mas na América do Sul, o ritmo é mais lento.
Em 2021, as fazendas verticais mais conhecidas dos Estados Unidos anunciaram captação de investimentos e expansão: AeroFarms, AppHarvest, Bowery, Plenty e Upwards foram ao mercado anunciar novas unidades, que são réplicas de seus projetos piloto, em escalas seis, sete vezes maiores.
Devido à demanda dos consumidores, redes varejistas também estão entrando nesse negócio. É o caso do Walmart, que se associou à Plenty para aumentar a oferta de vegetais “limpos” e frescos em 10 mil lojas. À Forbes Business, o diretor de merchandising da rede, Charles Redfield, declarou que o acordo “representa uma nova era da agricultura” e ainda, “que a rede passa a oferecer aos seus clientes produtos sem pesticidas, com sabor em todos os dias do ano, sem problemas de fornecimento devido a adversidades climáticas”.
Em janeiro de 2022, a Upward Farms anunciou que está construindo a maior fazenda vertical do mundo, um projeto de 23 mil metros quadrados na Pensilvânia, nos EUA, e que deve entrar em atividade em 2023. A novidade é que eles vão cultivar hortaliças e peixes no mesmo espaço. Ao The New York Times, a empresa declarou que inicialmente, a produção fornecerá vegetais frescos e o peixe robalo. No processo de produção, os resíduos dos peixes servirão de fertilizante para as plantas.
Na China, o conceito da Low Touch Economy (em português, economia de pouco contato — e muita tecnologia!) ganhou força após surtos da doença Peste Suína Africana (PSA), que obrigou os criadores de suínos a sacrificarem 80% do rebanho entre 2018 e 2019. Em setembro do ano passado, a empresa Zhong Xin Kaiwei inaugurou um prédio de 26 andares, onde se criam 600 mil suínos. Enquanto a Muyuan Foods foi ao mercado no mês seguinte anunciar um complexo de 21 prédios para a criação de 2,1 milhão de suínos. A unidade começa a funcionar em 2023.
Não atende a demanda
Mas os investimentos em fazendas verticais na América do Sul ainda crescem em ritmo lento, quando comparados aos demais países. No continente, há duas grandes startups atuando no setor, a Pink Farms, em São Paulo capital, e a Agrourbana, em Santiago, Chile.
Ambas produzem vegetais folhosos e apostam na expansão dos cultivos nos próximos anos para itens como frutas, ervas, plantas alimentícias não convencionais (PANCS) e cogumelos. Ainda assim, não conseguem atender a demanda que já existe em mercados locais. “Hoje, toda a produção é absorvida pelo mercado e, se dobrássemos imediatamente a produção, tudo seria vendido”, conta o CEO da Pink Farms, Geraldo Maia.
A Pink Farms comercializa sua produção (o executivo não quis revelar qual o volume produzido atualmente, já que está em processo de captação de investimentos) para redes varejistas e restaurantes. São 45 itens, entre folhosas e microgreens (vegetais em miniaturas).
“O público em geral busca alimentos que são mais seguros, mais práticos para o consumo e que duram mais tempo. Ninguém quer desperdiçar alimentos, existe uma conscientização dos consumidores”, afirmou. “A demanda está muito maior que a oferta em um grande centro como São Paulo”.
A fazenda vertical paulista nasceu em 2016, mas ganhou fôlego em 2019, quando passou a ocupar uma estrutura construída na zona oeste da capital. Agora, os três sócios preparam-se para uma escalada. O objetivo é replicar o projeto piloto em outra unidade, também na capital, em 2023. A meta, segundo Maia, é aumentar a oferta de produtos para 90 nesta unidade e, em seis anos, para 450 produtos. “Com o potencial do segmento, em cinco anos queremos ter unidades em outros países da América do Sul”.
No Chile, o mercado é bem semelhante. Pablo Bunster e Christian Sjörg, fundadores da Agrourbana, em 2018, contam que, em 2023, a empresa replicará a unidade atual para abastecer a metrópole chilena.
Dos atuais 3 mil metros quadrados, a fazenda virtual vai crescer 10 vezes, o que permitirá aumentar em 20 vezes o volume produzido hoje. Eles já colhem folhosas em geral e, recentemente, passaram a apostar também na produção de berries (morangos, principalmente).
“Trabalhamos com o fornecimento para redes varejistas [inclusive, o Walmart], mas principalmente restaurantes e apostamos em canais de vendas de assinaturas para os consumidores”, afirma Sjörg. “O foco, agora, é buscar soluções para reduzir o custo de produção [da energia elétrica utilizada] e ampliar o acesso dos consumidores chilenos. Vemos um espaço imenso para crescer”.
Por Viviane Taguchi