segunda-feira, 30 de maio de 2022

'O ex-futuro candidato', por Guilherme Fiuza

 

Foto: Pablo Jacob/Governo de SP


– Tomei uma decisão e não tem volta.


– Que decisão? Pensa bem. Decisão sem volta não tem volta.


– Já pensei. E ninguém vai me fazer mudar de ideia.


– Fala logo.


– Não sou mais candidato à presidência.


– O que?


– Isso mesmo que você ouviu. Não adianta insistir.


– Estou confuso.


– Imagino. Vou surpreender a todos.


– Não. Estou confuso porque achei que você já tivesse desistido antes.


– Como assim?! Tá louco? Até um minuto atrás eu era candidato a presidente.


– Então devo ter me enganado. Achei que algum tempo atrás tivesse ouvido você dizer que não disputaria.


– E você acreditou?


– Claro.


– Esse foi o seu erro.


– Acreditar em você?


– Não. Ignorar os movimentos da política.


– Que movimentos?


– Política é como a maré: vai e volta.


– Entendi. Você foi e voltou.


– Não. O que vai e volta é a política. Eu sempre estive no mesmo lugar.


– E esse lugar era o de candidato a presidente.


– Exato. Mesmo quando parecia não ser.


– Agora ficou claro. Então você sempre foi candidato a presidente mesmo quando parecia não ser e agora decidiu desistir da desistência de desistir.


– É por aí.


– E por que você não quer mais ser presidente da República?


– Não é que eu não queira.


– Ih... Então o que é?


– A República é que não me merece.


– A República?


– É. O país. A sociedade. O povo.


– Entendi. Como você chegou a essa conclusão?


– Comecei a perceber isso no dia em que estava andando num shopping vazio.


– O que aconteceu?


– Acenei para ninguém e ninguém respondeu.


– O que há de errado nisso?


– Tudo. Num país educado, nenhum aceno fica sem resposta.


– Você não acha que se em vez de acenar para ninguém, tivesse acenado para alguém, alguém teria correspondido?


– Isso não é problema meu. Fiz a minha parte, que era acenar. E não gostei da falta de resposta. Povo malcriado.


– Povo? Você disse que não tinha ninguém no seu caminho...


– Justamente. Se fosse um povo educado estaria no meu caminho para acenar para mim, me aplaudir e gritar meu nome.


– É, realmente é falta de educação deixar uma pessoa que quer ser presidente do país andando sozinha por aí.


– Completa falta de educação. E olha que eu dei todas as pistas para eles perceberem a minha importância.


– Trancou tudo, né?


– Exato. Tranquei todo mundo alegando emergência sanitária e fui passear em Miami, onde não tinha nada trancado. Eles não entenderam meu gesto.


– Não mesmo.


– Gente burrinha. Incapaz de distinguir um líder corajoso.


– Corajoso?


– Claro. Tranquei milhões de pessoas e fui curtir as praias da Flórida. Sou ou não sou corajoso?


– Sem dúvida.


– Danem-se todos. Cansei. Vou retomar meus negócios da China. Saio da vida pública e volto para a privada.


– Você merece.


– Eu sei.

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