sexta-feira, 1 de setembro de 2017

"O consumo volta a puxar o trem", por José Paulo Kupfer

O Globo

Não se trata, porém, do mesmo que catapultou a economia nos anos Lula, pois agora seus limites são mais estreitos e seus poderes multiplicadores são menos intensos



Com as devidas defasagens no tempo e algumas peculiaridades estatísticas, a evolução do mercado de trabalho é um dos indicadores mais aderentes à própria evolução da economia. O resultado da Pnad Contínua, no trimestre encerrado em julho, divulgado ontem pelo IBGE, por isso, oferece um mapa interessante do que se passa nesse momento de transição econômica, em que o pior passou, mas o melhor ainda parece incerto e distante.

Tanto no caso do emprego quanto no da economia, os números mostram uma tendência de recuperação, mas de baixa qualidade, o que não permite antecipar ritmo, durabilidade e consistência do movimento. Vai ficando mais nítida, a cada mês, no mercado de trabalho, a abertura de espaços para acomodar quem saiu do desalento e voltou a procurar trabalho.

Pela primeira vez em muitos meses, a taxa de ocupação avançou em ritmo superior ao da população economicamente ativa, o que explica o recuo da taxa de desemprego no período. Mas o encaixe de trabalhadores em alguma atividade tem se dado, principalmente, na área cinzenta do mercado informal e com preferência pelas atividades “por conta própria” — a velha e conhecida viração de quem, tendo de correr atrás do prejuízo cotidiano, não encontra colocação ou resiste à precariedade da informalidade, em muitos casos gourmetizada com o nome de “empreendedorismo”.

É nesse quadro específico do mercado de trabalho que a inflação muito baixa faz o serviço de ajudar a dar um empurrão no consumo, e este passa a mover a roda da economia.

Ainda que sem aumento na renda nominal digno de nota, cresce a massa de recursos que alimenta o consumo. A mesma remuneração compra mais, e isso é particularmente verdade nas faixas de renda mais baixas, beneficiadas pelo bom comportamento dos preços dos alimentos.

Da trajetória mais recente do consumo das famílias são esperadas as melhores notícias a respeito da evolução do PIB no segundo trimestre, cuja divulgação está prevista para hoje, devendo apontar pequeno recuo ou pequeno avanço — estabilidade, em resumo — sobre o trimestre anterior e em relação ao mesmo período do ano passado. No lado da demanda, o consumo deve ser apontado pelo IBGE como o puxador da economia entre abril e junho, secundado pelas exportações. No lado da oferta, o comércio, não por coincidência, deve vir na linha de frente, substituindo a agropecuária, que puxou o carro no primeiro trimestre, mas agora traz contribuição negativa.

A volta do consumo ao centro do palco do crescimento econômico se dá em meio a frustrações com o roteiro inicialmente desenhado para a política econômica no governo Temer. Esse roteiro imaginava, apesar de todos as indicações em contrário das experiências semelhantes em outros países, depois da crise de 2008, que sinais de austeridade em relação aos gastos públicos promoveriam o retorno da confiança, a partir da qual deslanchariam investimento, emprego, renda, consumo e crescimento. “Esta ordem está um pouco diferente”, constatou o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em recente entrevista à “Folha de S. Paulo”, num drible semântico elegante para evitar reconhecer o erro. “Hoje, o mais provável é que o consumo seja o motor da retomada”.

Não se trata, porém, do mesmo consumo que catapultou a economia nos anos Lula — e que bateu no teto do endividamento e do desemprego nos mandatos de Dilma. Seus limites de ampliação são agora mais estreitos e seus poderes multiplicadores menos intensos, pelo menos enquanto não se completar o processo de desalavancagem em curso, o que permite prever uma recuperação econômica lenta e contida.

Não há mais o impulso de elevações reais do salário mínimo, nem o pesado bombeamento de gastos públicos da época. Falta também espaço para um novo e rápido processo de formalização no mercado de trabalho — dá-se justamente uma reversão nesse ponto — e a consequente bancarização ocorrida entre 2003 e 2010, que sustentou uma forte expansão do crédito, multiplicador do consumo. Este continua arisco, com taxas efetivas ainda pouco atraentes, apesar dos recentes e agressivos cortes nos juros básicos da economia.