sexta-feira, 29 de setembro de 2017

"Leilões, ajuste e crescimento", editorial do Estadão

Com arrecadação de R$ 15,9 bilhões, os dois leilões conduzidos nesta semana pelo governo, nas áreas de energia elétrica e petróleo, devem produzir bons efeitos a curto e a longo prazos. O primeiro efeito é diminuir o sufoco financeiro da administração federal. A receita, R$ 4,2 bilhões maior que a prevista, facilitará o alcance da meta fiscal deste ano e, além disso, fornecerá recursos para manter a máquina em funcionamento. As consequências de maior alcance ocorrerão nos próximos anos, com a retomada do investimento produtivo e os ganhos daí decorrentes para o crescimento e para a eficiência da economia. O sucesso das duas iniciativas é especialmente importante neste momento: recém-saído de uma recessão e de uma longa fase de enfraquecimento econômico, o Brasil precisa recompor um potencial produtivo devastado em muitos anos de incompetência e desmandos governamentais.
O leilão de quatro usinas da Cemig, arrematadas por investidores estrangeiros, rendeu para o governo R$ 12,1 bilhões. O resultado superou por R$ 1,1 bilhão o previsto pela autoridade federal. A licitação de 37 áreas de exploração de petróleo e gás proporcionou R$ 3,8 bilhões, cerca de R$ 3,1 bilhões a mais que o estimado pelos organizadores da operação.
A disputa, nos dois casos, mostrou grupos dispostos a confiar no País e a apostar na recuperação e na dinamização da economia brasileira, apesar do recrudescimento, nos últimos dias, das tensões políticas em Brasília. Seria ingênuo imaginar um divórcio entre a política e a percepção dos investidores, mas, neste momento, a expectativa quanto à reativação dos negócios e à continuação dos ajustes prevalece.
Se nenhuma grande surpresa ocorrer, os R$ 15,9 bilhões deverão ser pagos ao governo federal neste ano. O aperto financeiro continuará, mesmo com a receita extra de R$ 4,2 bilhões, mas haverá maior segurança para a liberação de verbas necessárias à manutenção da atividade governamental.
É preciso conservar a máquina em funcionamento e ao mesmo tempo continuar buscando o resultado fiscal programado para 2017. Ainda será preciso um esforço considerável para fechar o ano com um déficit primário, isto é, sem a conta de juros, igual ou inferior a R$ 159 bilhões.
Sinais de melhora da arrecadação federal motivaram, recentemente, um pouco mais de otimismo quanto à execução orçamentária, mas, de toda forma, enquadrar o déficit no limite programado será um duro desafio até o último instante.
Com a economia ainda em lenta recuperação, o Tesouro continua dependente de receitas extraordinárias. O governo havia apostado, por exemplo, em cerca de R$ 13 bilhões, neste ano, com o lançamento de um novo programa de regularização fiscal. Mas a alteração do projeto no Congresso deve reduzir severamente a arrecadação efetiva, nesse caso.
O esforço de arrumação das contas públicas, neste e no próximo ano, é parte essencial da reconstrução da economia. Esse esforço deverá continuar nos anos seguintes, facilitado, segundo se espera, pela implementação de uma razoável reforma da Previdência. Mas o retorno a taxas de crescimento melhores que as dos últimos sete anos dependerá de outros fatores. A recuperação do investimento em produção é uma das condições incontornáveis.
Ainda com ampla capacidade ociosa, a indústria deve voltar a investir lentamente em máquinas e equipamentos. O ritmo do investimento poderá ser intensificado, no entanto, com projetos na área de infraestrutura. Mais obras criarão demanda de bens de produção e, além disso, contribuirão para o aumento do emprego. Os leilões nas áreas de eletricidade e petróleo contribuirão para essa movimentação.
Mas o efeito seguinte, mais duradouro, será o ganho de eficiência. Será necessário levar o novo investimento também aos transportes – rodovias, ferrovias, armazéns, portos e aeroportos – e a outras áreas da infraestrutura, como o saneamento. Melhor planejamento e melhor acompanhamento das obras, depois de anos de incompetência e desmandos, também farão diferença.