Churchill, comentando sobre o acordo de Munique, disse: “Entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra, e terão a guerra“. Profético e sempre atual quando vemos, por covardia, governantes fecharem um pacto com o diabo para fugir do custo imediato do confronto inevitável. Depois o custo da guerra é muito maior, além da desonra pelo ato covarde. Pensei nisso ao ver, uma vez mais, a possibilidade de uma reforma política se esvair por conta de um Congresso incapaz de deixar seus interesses mesquinhos de lado.
O economista Paulo Guedes citou, em sua coluna de hoje, novamente a historiadora Barbara Tuchman e seu magistral A Marcha da Insensatez. A análise que ela faz de momentos históricos em que governantes ignoraram todos os alertas possíveis, gerando o caos como reação, é primorosa, especialmente em relação aos papas renascentistas. Ao brincarem com fogo, os poderosos acabam plantando as sementes de revoluções perigosas. Conclui Guedes, após uma longa citação da historiadora que parece perfeita aos nossos dias de hoje:
As forças de resistência do “Antigo Regime” lutam nas sombras para impedir as mudanças necessárias e, diria, inevitáveis. O elo entre governantes e governados se perdeu completamente. A crise de representatividade é enorme. Algo precisa ser feito. E será feito pela esquerda ou pela direita, de forma imposta e autoritária ou democraticamente. As “criaturas do pântano”, como diz Guedes, precisam acordar para o risco que correm, pois é a própria democracia representativa que está em perigo. Querem uma evidência?
Se Paulo Guedes ataca as forças reacionárias pelo lado liberal, Chico Alencar vem pela esquerda com discurso parecido sobre o diagnóstico do problema, mas com receita diametralmente oposta. Em artigo publicado hoje na Folha, o deputado do PSOL condena os interesses comezinhos dos políticos, a perda da fronteira entre público e privado, as “pseudossoluções galopantes da pequena política, os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária”, que ele imputa às forças “conservadoras”: “são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora, do nosso aparato político reativo à democratização de base, direta e participativa”.
Ou seja, para o mesmo problema, o socialista enxerga, como solução, o fim da democracia representativa. A Venezuela seria sua proposta para resolver o mal da perda de representatividade. A emenda seria muito pior que o soneto. E como se não bastasse, o socialista puxa da cartola ninguém menos do que Antonio Gramsci, o criador da estratégia moderna de revolução comunista no Ocidente:
Antonio Gramsci (1891-1937), em seus “Cadernos do Cárcere”, denominou “interregno” esse tempo de incertezas que anuncia, entre sombras, um fim de ciclo. Trata-se do intervalo histórico em que o velho ainda não desapareceu totalmente e o novo ainda não se firmou.
A sofreguidão regressista, com mais espaço nesses tempos sem hegemonia clara, tenta cristalizar suas posições. Esses períodos trevosos, diz Gramsci, são propícios ao aparecimento de “sintomas mórbidos, fenômenos estranhos, criaturas monstruosas”.
Nossa cena política contemporânea oferece vários personagens com essas características nefastas.
A história é um contínuo de transformações. O desafio da hora presente, frente ao império do senso comum e seus monarcas do atraso, é dar um novo significado ao bom senso republicano da igualdade, da democracia e da ética social.
Ironicamente, as piores criaturas “trevosas” vêm da esquerda socialista, do PT e do PSOL, dos seguidores de Gramsci, que ajudam a criar essa instabilidade, que pregam mais estado, ou seja, mais do veneno que causa nossa doença social. E o admirador da União Soviética ainda tem a cara de pau de falar em democracia, senso republicano e ética social!
Mas o que importa aqui não é a incoerência do deputado, e sim o que ele acerta: a crise política e a imobilidade do Congresso geram um ambiente fértil e propício para o surgimento de aventureiros perigosos. No caso, os próprios membros do PSOL. Afinal, há que ser muito alienado para achar que a resposta adequada para o problema chamado PMDB é o PT ou o PSOL, nada mais do que o PT de ontem.
Os deputados precisam acordar e se dar conta de que a inação parlamentar abre o caminho para a ação revolucionária. Sim, a reforma proposta era muito ruim, o “distritão” era péssimo, etc. O melhor seria tentar aproximar o poder do povo por meio do voto distrital (puro ou misto) e acabar com o financiamento público de campanha, forçando os partidos a sobreviverem de doações voluntárias, não da verba estatal.
Mas era necessário fazer alguma coisa na direção certa, por mais que uma reforma política “ideal” seja quase impossível com esse Congresso que aí está. Já tem gente defendendo que Dilma estava certa ao clamar por um plebiscito, pois se depender do Congresso, nada sai. Eis onde mora o perigo: os “representantes” do povo ignorarem tanto a falta de representatividade a ponto de a solução ser acabar com ela de uma vez. Seria o caminho livre para criaturas do pântano ainda mais terríveis, para os filhotes de Gramsci, por exemplo…