Filipe Martins é vítima de uma máquina que inverte a lógica: primeiro o veredito, depois os “fatos”
“M ostre-me o homem, e eu encontro o crime.” A frase de Lavrentiy Beria, chefe da polícia secreta de Stalin, ressoa como um alerta sombrio no Brasil de 2025. O lawfare, a manipulação do sistema judicial para esmagar adversários políticos, não é só uma denúncia — é uma prática que transforma tribunais em armas de poder e uma ameaça que erode os alicerces da democracia.
Em um país onde a democracia enfrenta testes diários, com ecos da repressão stalinista, o caso de Filipe Martins emerge como um grito de alerta: o lawfare ameaça não apenas um homem, mas a própria essência e legitimidade da justiça.
Em 2025, o Brasil assiste a Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro, tornar-se símbolo da perseguição judicial política. Preso injustamente em 2024 por ordem do ministro Alexandre de Moraes e sem provas concretas, Martins ficou seis meses na cadeia e agora segue em prisão domiciliar. Além da tornozeleira eletrônica, Filipe está proibido de usar redes sociais e dar entrevistas. Mais que sua liberdade, o que está em jogo é a própria legitimidade da justiça brasileira.
Ao conversar com especialistas sobre o caso, um aliado inusitado aparece: Cristiano Zanin. Curiosamente, são as palavras do exadvogado de Lula, hoje ministro do STF, que podem ajudar na defesa de Martins. Para Zanin, quando o Estado manipula processos, ignora evidências e fabrica narrativas, a justiça se torna arbítrio. A defesa de Lula, tão elogiada por ministros como Gilmar Mendes, trouxe o que é chamado de “conduta ultrajante”, termo tirado do direito americano: outrageous government conduct. Zanin apontou que a conduta ultrajante contamina o processo e expõe ações estatais arbitrárias que violam a consciência jurídica, contaminando o processo e exigindo sua nulidade.
E o processo contra Martins é uma farsa frágil de ser mantida. Antes da
prisão, o STF ordenou a quebra de sigilo de geolocalização e dados da Uber,
medidas requeridas pela acusação. Esses registros comprovam que Martins
estava no Brasil em janeiro de 2023, com voos domésticos, transações locais
e uso de aplicativos. Ainda assim, a Polícia Federal insistiu na falácia de que ele havia “fugido” do Brasil — uma mentira desmascarada por evidências
irrefutáveis.
Quando a defesa tentou acessar os dados fornecidos para a acusação, enfrentou barreiras. Quando os obteve, a justiça os relativizou ou postergou. “Quando o Estado conhece a verdade e prefere a ficção, não é erro; é desvio de finalidade”, argumenta a defesa de Filipe Martins, ecoando o ministro Zanin. Essa inversão não é burocrática, é uma manipulação deliberada, na qual evidências que desmontam a acusação são ignoradas para sustentar uma tese preconcebida. Essa “inversão do método científico”, como Zanin defendeu em 2018, é o cerne do lawfare. No caso de Martins, o processo começa com a conclusão de culpa e seleciona “fatos” que a confirmem, descartando o resto. Exatamente como o chefe da polícia secreta soviética operava.
O núcleo desse problema vai além do absoluto desrespeito às leis e ao processo legal. O cerne é cognitivo e moral: quando a elite operadora da lei perde o vínculo com o real, sofre o que o professor Olavo de Carvalho chamava de “paralaxe cognitiva” — a “verdade” passa a ser aquilo que serve ao poder. No caso de Martins, a acusação e o juiz do caso, Alexandre de Moraes, decidiram ignorar que ele estava no Brasil na data de sua suposta fuga do País — com evidências irrefutáveis — e que a tal “minuta do golpe”, atribuída a ele, jamais foi encontrada ou apresentada nos autos.
No dia 10 de outubro, outro problema para a acusação chegou do Norte. A carta do CBP, órgão da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, desmonta completamente a mentira inicial da acusação de que Filipe havia fugido do Brasil e da nossa (in)justiça. De acordo com a agência do governo americano, não há registro de entrada e o texto condena o uso de dados falsos para justificar a prisão de Martins.
Today, CBP is able to announce that it has conclusively determined that Filipe Martins, a Brazilian national and advisor to former President Jair Bolsonaro, did not enter the U.S. on December 30, 2022, contrary to claims by Brazilian Justice Alexandre de Moraes, who used an Mostrar mais cbp.gov CBP statement on review of entry records for… WASHINGTON — U.S. Customs and Border Protection announced that it has conducted …
E, como num rebote, a conduta ultrajante do sistema foi mais uma vez escancarada, desta vez em um novo ofício da Polícia Federal assinado pelo delegado Fabio Shor. O documento agora alega que Filipe Martins — pasmem! —, na verdade, “forjou” uma entrada nos EUA para enganar as autoridades brasileiras (e ser preso mais tarde por isso!).
A revelação do CBP expõe a fragilidade da acusação, mas a conduta arbitrária do delegado Fabio Shor vai além da caçada a Filipe Martins. No ofício, o delegado ameaça todos os que ousam questionar as investigações, rotulando-os como parte de uma “milícia digital”, e pedindo inquérito contra advogados, jornalistas e influenciadores que destacam as inconsistências e fragilidades do caso. Mais uma escalada que transforma o contraditório em crime e reforça o lawfare.
A conduta ultrajante é a instrumentalização da justiça por uma classe dirigente desconectada da realidade, que antecipa vereditos, seleciona fatos e sufoca o contraditório. Como Beria, que fabricava crimes para Stalin, o sistema contra Martins escolhe o homem e constrói o delito. A tradição filosófica ensina que a justiça só é justa quando submetida, à força, à verdade. Quando o Estado exige que o réu prove sua inocência contra uma narrativa fabricada, e mesmo assim ignora os resultados, abdica do Direito enquanto ciência e produz um simulacro.
A acusação contra Filipe Martins, através da ótica do advogado Cristiano Zanin, merece nulidade: um processo viciado não pode seguir — a justiça deve proteger a pessoa, não esmagá-la. A conduta ultrajante, como ele mesmo trouxe para o debate jurídico no Brasil, exige a completa anulação do processo quando o Estado fabrica a culpa. Martins é vítima de uma máquina que inverte a lógica: primeiro o veredito, depois os “fatos”.
O remédio para essa ruptura é restaurar a hierarquia dos bens: verdade acima do poder, pessoa acima do aparato. A conduta ultrajante exige nulidade do processo viciado, responsabilização de quem manipula e transparência total na cadeia decisória. Uma reforma urgente do Judiciário é essencial: igualdade de armas, acesso a provas e juízes que resistam à tentação de dirigir resultados. Sem isso, o Brasil arrisca ecoar Beria, onde a justiça serve ao poder, não ao povo.
Libertar Martins é mais que um ato jurídico — é um exame de consciência nacional e humildade judicial. O Brasil não pode se alinhar a Lavrentiy Beria, que moldava processos para servir o Kremlin, mas ouvir Cristiano Zanin de que o Estado não pode errar produzindo provas.
Em 2025, com a democracia sob teste, libertar Martins não é favor — é um exame de consciência nacional. Nulidade do que nasce viciado, responsabilização de quem manipula, luz total sobre a cadeia decisória — e uma reforma do judiciário urgente.
Quando a justiça vira arma, a verdade inteira é o único escudo.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste