sexta-feira, 7 de março de 2025

'A calvície de Alexandre de Moraes, uma investigação intelectual', por Paulo Polzonoff Jr.

 

Não se pode mencionar a calvície de Alexandre de Moraes? Chegamos a esse nível?  - Foto: Rosinei Coutinho/CPO/STF


Semana passada. Véspera de carnaval. Quando percebi, estava no meio de uma discussão bizantina & bananeira: posso ou não chamar Alexandre de Moraes de calvo? Ou careca. Ou descabelado. Ou capilodesprivilegiado. Ou aeroporto de mosquito. Ou todos esses nomes e apelidos e expressões pelos quais também me chamam.

Em meio à dúvida, abri aquele sorriso que é ao mesmo tempo de nervoso, tristeza e confusão. Quer dizer que já chegamos a esse nível? Aliás, não sei nem dizer a que se refere “esse nível”. Nível de controle? De medo? De paranoia? De precaução necessária diante de um ímpeto inegavelmente autoritário e até totalitário? Quando foi que cruzamos esse rubicão, meu Deus?!


Xi, lá vem o Paulo com o “e se” dele

Do ponto de vista da profundidade analítica e até da elegância retórica, faz sentido que se evitem referências às características físicas do interlocutor ou, no caso, do alvo das críticas. Ainda mais quando o interlocutor ou o alvo das críticas é cioso da aparência ou não tem senso de humor, como parece ser o caso. Ok. Concedo a derrota. Chamar Alexandre de Moraes de calvo ou André Mendonça de ex-calvo ou Zanin de varapau é um recurso baixo. Engraçado, sim. Talvez até catártico. Mas baixo e além de tudo inútil. Ninguém vai se convencer de que está agindo como um tirano só porque você o chamou de careca.

Mas e se. (Xi, lá vem o Paulo com o “e se” dele). Mas e se a intenção por trás da referência a determinada característica física do sujeito for analisar os símbolos presentes numa estética tão totalitária que chega a ser distópica, como é o caso dos ministros do STF – mais especificamente de Alexandre de Moraes e sua já icônica calvície? E se eu for lá na biblioteca e descobrir, num livro de René Guénon, que a imagem do tirano calvo como símbolo do poder decadente está há séculos inscrita numa Tradição que vai muito além das circunstâncias específicas do regime PT-STF?


E se (outro)

Nesse caso, acredito que podemos ter uma conversa profunda e produtiva sobre a relação entre a estética e a ética, a busca pela beleza (ou a rejeição a essa busca), os símbolos tradicionais associados à maldade ou fraqueza de caráter (ref. Sansão) e, se sobrar um tempinho, dá até para falar de legado, transitoriedade e narcisismo. Caramba, se me deixarem sou capaz de falar horas sobre os efeitos psicológicos e sobre a filosofia e a espiritualidade associadas à calvície, às orelhas-de-abano e à obesidade.

Outra questão que me ocorre: e se (outro) as referências às características físicas do interlocutor forem elogiosas? Isto é, e se eu falar bem da fofura de Dino, opondo-a ao caráter anal-retentivo da magreza de Zanin? E se eu elogiar as mãos delicadas de Barroso ou o cotovelo do Nunes Marques ou o bigode do Fachin? Ainda estarei incorrendo em crime de lesa-pátria? Estarei extrapolando os limites da liberdade de expressão?

Socorro!

Não sei e só digo uma coisa: socorro! Porque a gente não pode ceder a esse tipo de intimidação, seja ela real ou imaginária. Pode parecer algo menor, eu sei, mas não é. Limites desse tipo, que interferem diretamente na linguagem e, por consequência, na forma de pensar têm o efeito nocivíssimo de esmagar o espírito humano e, pouco a pouco, nos transformar em domesticadas inteligências artificiais. Você quer viver num país assim? Nem eu.


Paulo Polzonoff Jr. - Gazeta do Povo