vão aos tribunais e vencem.
Há direitos inalienáveis
protegidos pela Constituição
Em 12 de novembro de 2012, em um discurso proferido pelo músico e ativista Bono Vox na Universidade de Georgetown em um evento promovido da McDonough School of Business de Georgetown, o vocalista da banda irlandesa U2 disse: “A América é uma ideia. A Irlanda é um ótimo país, mas não é uma ideia. A Grã-Bretanha é um ótimo país, mas não é uma ideia. É assim que vemos vocês em todo o mundo, como uma das maiores idéias da história da humanidade”.
A América é uma ideia. Parece uma frase simples e o conceito pode parecer vago para quem olha para os Estados Unidos mas não enxerga o que o país representa para a civilização ocidental. Até Bono, um social-democrata (com muita ajuda) que já achou que Lula era um cara bom entende o que a nação mais próspera do mundo representa. Uma ideia. E uma ideia que é maciçamente fundada em um pilar sagrado para os americanos, a liberdade.
As fundações da República americana estão diretamente no Iluminismo Europeu dos séculos XVII e XVIII. Os fundadores americanos eram bem versados nos escritos dos filósofos, cujas ideias influenciaram a formação do novo país. John Locke, um inglês do século XVII, em seu Segundo Tratado de Governo, identificou as bases de um governo legítimo que, segundo Locke, ganha autoridade por meio do consentimento dos governados e não como apenas graças a um monarca.
O dever desse governo é proteger os direitos naturais das pessoas. De acordo com Locke, esses direitos são Vida, Liberdade e Propriedade. Para o filósofo, se o governo falhasse em proteger esses direitos, seus cidadãos teriam o direito de derrubá-lo.
E foi justamente essa ideia que influenciou profundamente Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da América, ao elaborar a Declaração de Independência em 1776.
A base da teoria de Locke dos direitos naturais se tornou então o pano de fundo da Declaração: “(…) Consideramos essas verdades evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.
Há 244 anos, os termos da Declaração de Independência formaram então o DNA da nação e ajudaram a escrever uma sólida constituição que, entre apenas 27 emendas, coloca os direitos individuais inalienáveis acima de governantes que, por ventura, possam se embebedar de poder.
Proposital ou não, esse cerceamento de direitos individuais invioláveis é inadmissível pela Constituição. O distanciamento social e as medidas sanitárias já provaram ser boas armas no combate ao vírus, mas estão longe de ser as únicas ou mais eficazes armas em um possível arsenal de guerra que ainda não conhecemos.
E por mais que repitam ad nauseam que o distanciamento social é a única medida possível para evitar uma catásfrofe, isso não pode significar um confinamento obrigatório com imposições de “leis” que não existem.
Em meu primeiro artigo para a Revista Oeste, defendi o debate honesto sem a politização e a fuga nas platidudes fundadas na dicotomia cega do “Fla x Flu” do vírus. Ou é isso, ou é aquilo. Não! É isso e aquilo, e mais aquilo também.
Em um mar de incertezas e desencontros, de especialistas, médicos e até da própria Organização Mundial de Saúde, é preciso atentar-se a pontos tão importantes quanto às sequelas físicas causadas pela doença. As ramificações dessa crise vão além de mortes em hospitais e debates acalorados sobre a cloroquina.
É preciso olhar a “floresta” e também tentar enxergar além do olho do furacão. Debater os severos impactos econômicos a curto e longo prazos e o cerceamento de direitos individuais não te faz uma pessoa “sem coração” ou anti-ciência. E discutir isso não é apenas um direito, mas uma obrigação.
Em 2014, pesquisadores da Universidade de Oxford compararam dados de suicídios de antes de 2007 com os anos pós-crise financeira de 2008, e encontraram mais de 10 mil “suicídios econômicos” associados à recessão nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa.
Aaron Reeves, autor principal do estudo e pesquisador de pós-doutorado no departamento de Sociologia da Universidade de Oxford, atestou no estudo publicado no British Journal of Psychiatry: “Houve um aumento substancial de suicídios durante a recessão, consideravelmente mais do que esperávamos com base nas tendências anteriores”.
Foi o que apontou o estudo. Só nos Estados Unidos, a taxa de suicídio, que subia lentamente desde 2000, disparou durante e após a recessão de 2008.
As taxas foram significativamente maiores nos estados que sofreram maiores perdas de emprego.
Ontem, o presidente Donald Trump apresentou um plano nacional de reabertura do país. Enquanto alguns governadores andam extremamente preocupados com um lockdown sem data para terminar, outros tentam empurrar algumas medidas autoritárias que se sobrepõem às liberdades individuais invioláveis e têm recebido enorme resistência da sociedade americana.
Nesse ponto, Democratas e Republicanos se unem para proteger o que todos consideram tão sagrado: a ideia — e a prática — da liberdade, e isso inclui a liberdade de ir e vir, atualmente com sérias e corretas diretrizes, mas também a liberdade econômica.
Eles foram para a frente da sede do governo exigir o fim da ordem de ficar em casa, alegando que as ordens violavam suas liberdades pessoais. Alguns estados, como Califórnia e New Jersey, fecharam sob ordem executiva todos os estabelecimentos considerados “não essenciais” e isso incluiu lojas de armas.
Americanos entraram então com uma ação conjunta contra esses estados e um juiz federal ordenou que as lojas de armas fossem reabertas e colocadas na categoria “essenciais”, pois o direito de possuir uma arma para a proteção de sua propriedade também é protegido pela Constituição.
No Mississippi, governantes locais proibiram serviços religiosos comunitários, mesmo que esses serviços honrassem rigorosamente as diretrizes de distanciamento social. A igreja e seus fiéis processaram a cidade e agora a Igreja Batista da cidade de Greenville terá permissão para prosseguir com seus serviços de drive-in, reunidos no estacionamento da igreja com o culto sendo transmitido por rádio FM.
O Departamento de Justiça local foi categórico: “Os governos estaduais e municipais têm o poder de proteger seus cidadãos da propagação de doenças infecciosas. Não há exceção pandêmica, no entanto, às liberdades fundamentais que a Constituição protege”. Amém.
Vimos trabalhadores sendo algemados como criminosos, ou pessoas que, respeitando as diretrizes sanitárias e do distanciamento social, apenas corriam na praia e que foram levadas por policiais como marginais. No funeral dessas (e Deus sabe quantas mais) liberdades individuais que vão sendo guilhotinadas, o show mórbido fica por conta de quem condena aqueles que querem discutir possíveis aberturas na economia ou opções para o relaxamento do lockdown para encontrar soluções que evitem o total colapso econômico de milhões de famílias.
Discutir a possível circulação de forma controlada? “Não!”. É fecha tudo e fecha a boca. E essa compaixão baseada apenas no “fique em casa”? Não passa de uma hipócrita sinalização de virtude para quem vive com o Instagram aberto, mas fecha os olhos para quem não pode retocar a realidade com filtros.
Para os humanistas do Leblon ou da Vila Madalena, quem se importa com John Locke ou João da Silva?, o bacana é salvar o mundo de casa, bebendo um bom vinho importado diante de uma tábua de queijos e assistindo o show do U2 na Netflix. Essa é a ideia, Bono tolinho.