BUENOS AIRES
Quatro anos depois, o kirchnerismo está de volta ao poder na Argentina.
Em meio a uma grave crise econômica que afeta a população e atingiu em cheio o atual líder do país, Mauricio Macri, a eleição deste domingo (27) coroou a estratégia da ex-presidente Cristina Kirchner, que surpreendeu ao decidir se candidatar a vice numa chapa liderada por Alberto Fernández.
Com 93,61% das urnas apuradas por meio do sistema rápido de contagem, o opositor havia conquistado 47,1% dos votos contra 40,7% de Macri.
Na Argentina, é necessário obter índice superior a 45% para ser eleito em primeiro turno —ou votação acima de 40% desde que com uma diferença de 10 pontos percentuais para o segundo colocado.
Ainda que não tenha sido necessária uma nova rodada, a margem entre Fernández e Macri surpreendeu, uma vez que as pesquisas chegaram a indicar 20% de distância, o que seria uma tremenda lavada.
Os kirchneristas também obtiveram outras vitórias, como a conquista do governo da Província de Buenos Aires, que sai das mãos da macrista María Eugenia Vidal —“Hoje Deus me deu um descanso para que eu recupere as minhas forças”— e foi para as do ex-ministro da Economia Axel Kicillof, com 52,07% dos votos até a conclusão desta edição.
Em discurso conciliador na noite deste domingo, Macri reconheceu a derrota nas eleições e prometeu fazer uma transição organizada para o governo do próximo presidente, Alberto Fernández.
“Convidei Alberto Fernández para tomar café da manhã na Casa Rosada [sede do governo argentino] amanhã, para começar um período de transição ordenada”, afirmou. “A única coisa que importa é o futuro dos argentinos.” Quando parabenizou o adversário, ouviu vaias dos apoiadores.
A posição do candidato derrotado destoa da última eleição, em 2015, quando Cristina sequer foi à posse ao ser derrotada pelo atual presidente. À época, ele recebeu a faixa do presidente do Senado.
Na esquina das avenidas Corrientes e Dorrego, no bairro de Chacarita, em Buenos Aires, foi armado o espaço para celebrar a vitória kirchnerista. Nas bandeiras argentinas carregadas por apoiadores, os rostos de Cristina e de Alberto.
No palco, Cristina pediu a Fernández que “exerça com responsabilidade o cargo que recebeu” e que “alivie a situação dramática em que o povo está”.
O público a interrompeu mais de uma vez, entoando canções kirchneristas. Pediu, ainda, que a população apoie o presidente eleito para enfrentar os projetos neoliberais. Em seguida, Fenandéz pegou o microfone e prometeu um governo “para todos os argentinos”.
Disse que irá ao café da manhã com Macri e agradeceu o gesto do atual presidente.
Mais cedo, o Fernández publicou uma foto em seu Twitter em que faz a letra L com as mãos, símbolo do movimento Lula Livre, e parabenizou o ex-presidente brasileiro pelo aniversário de 74 anos completados neste domingo (27).
“Também hoje faz aniversário meu amigo Lula, um homem extraordinário que está injustamente preso faz um ano e meio”, escreveu Fernández.
O domingo foi de sol e movimento tranquilo em Buenos Aires. Apesar das filas nos centros de votação, não houve agitação ao menos até as 17h, quando alguns carros passaram a tocar buzinas e acenar com bandeiras da Argentina nas avenidas. Era comum ouvir o canto de “vamos voltar” dos peronistas.
Em um centro de votação no bairro de Colegiales, uma senhor de 84 anos era amparado pelo filho para votar. "Eu sei que não preciso votar [na Argentina, a partir dos 70 é facultativo], mas se é para tirar Macri, achei que valeria a pena vir, pedi para me trazerem."
Em outro colégio, no bairro da Recoleta, havia um grupo de mulheres esperando que outra amiga fosse votar. “Estamos votando juntas e torcendo por uma vitória do presidente. Daqui vamos almoçar e mais tarde iremos para o comitê, temos certeza de que houve fraude nas primárias e de que hoje iremos celebrar.”
Alguns ciclistas andavam pelas ciclovias com cartazes feitos à mão e colados no banco com pequenas mensagens. "Tchau Macri" foi a mais vista, mas também havia "Cristina, não volte mais" e "Cristina e Alberto são iguais".
Nas redes sociais e na imprensa local, ficou famoso o cidadão que, vestido do personagem Coringa (“Guasón”, em espanhol) foi votar dando gargalhadas na cidade de Lanús.
Durante o dia, o governo fez uma série de denúncias de irregularidades à autoridade eleitoral.
“Vemos que nem sempre os presidentes das mesas são neutros e isso se compensa tendo um fiscal”, disse o ministro de Transporte, Guillermo Dietrich, que espalhou fiscais da aliança governista Juntos por el Cambio. “Nosso sistema eleitoral é obsoleto e requer um exército de gente.”
Nas redes sociais, publicou: “Estão chegando dezenas de denúncias de nossos fiscais na Província de Buenos Aires, de Merlo, La Matanza, Pilar e Almirante Brown, de eleitores que aparecem com cédulas de identidade anteriores ou diferentes ao que está no padrão.
Os principais candidatos votaram pela manhã. Assim como nas eleições primárias, Alberto Fernández saiu para passear com seu cachorro, Dylan, e só depois se dirigiu ao centro de votação perto de sua casa, em Puerto Madero.
Na saída, disse que “a situação econômica era muito preocupante e todos devemos nos preocupar”. Pois, logo após o encerramento da votação, foi convocada uma reunião do Banco Central, a pedido do presidente Macri, para discutir medidas para barrar o aumento do dólar, tendência indicada na semana passada e que pode se acentuar com a vitória kirchnerista.
Fernández disse ainda que se lembra de Néstor Kirchner todos os dias e que gostaria de ter falado com ele neste dia, afirmando que ajudaria a Argentina a se levantar novamente.
Já Mauricio Macri votou em Palermo. Também seguindo uma tradição, levou uma bandeja com “medialunas”, espécie de croissant argentino, para distribuir aos jornalistas.
Ao ser questionado como será o dia seguinte à eleição, afirmou que estará cedo na Casa Rosada, trabalhando, “seja qual for o resultado”.
Macri também afirmou estar “ansioso, como todos os argentinos”, mas que era preciso esperar os resultados provisórios. “Se a brecha for muito apertada, além dos resultados provisórios, vamos ter de ter paciência para esperar a contagem final”, afirmou
Cristina Kirchner votou cedo em Río Gallegos, na Província de Santa Cruz, onde vive. Esquivando-se das perguntas dos jornalistas com bom humor, afirmou que “vocês sabem que o jornalismo não é o meu forte”. Ela almoçou em família e afirmou que voaria às 18h para Buenos Aires, para se juntar a Fernández no “bunker” de campanha do peronismo.
No início da manhã, o palco já estava sendo armado na avenida Corrientes, com as ruas ao redor cercadas. Enquanto Macri costuma fazer seus discursos pós-eleitorais dentro do complexo cultural e comercial Costa Salguero, a festa kirchnerista ocorre na rua.












