Nosso produto interno bruto (PIB) é o nono do mundo; em algumas fontes, oitavo e até sétimo (alguns valores numéricos usados neste artigo variam um pouco nas várias fontes).
O que explica a melancólica colocação brasileira, 79.º lugar, no cômputo global do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – indicativo da qualidade de vida do País –, e a Inglaterra e a França, respectivamente, quinto e sexto PIB, não muito acima do nosso, ostentarem o 14.º e o 24.º IDH?
O que explica que nesses dois países a carga tributária resolva satisfatoriamente os encargos inerentes ao Estado e aqui vivamos o sufoco dramático e o desempenho estatal medíocre?
A comparação a seguir reflete a essência do paradoxo brasileiro PIB x IDH. Aqui, 207 milhões de habitantes – dimensão decorrente do aumento acelerado (150 milhões) no pós-1930, realmente difícil de ser acompanhado pelo aparato de apoio social e, por isso, majoritariamente de padrão cultural precário –, distribuídos heterogeneamente em território extenso, mal integrado, com níveis de desenvolvimento distintos, de bom ou razoável à pré-história em pequenas comunidades indígenas nas florestas.
Na Inglaterra e na França, 60 milhões a 70 milhões de habitantes de bom nível cultural médio, bem servidos por serviços públicos (em realce, educação e saúde), organizados em sociedades homogeneamente desenvolvidas (existem diferenças, mas não radicais como aqui) e distribuídas em territórios já integrados.
A população dos Estados Unidos (13.º IDH no ranking mundial) é cerca de 12% maior que a brasileira e a carga sobre seu erário é imensa (interna e de segurança mundo afora), mas, embora a tributação seja porcentualmente menor que a brasileira, essa carga é bem atendida porque seu PIB é gigantesco, cerca de nove vezes o brasileiro.
A China, com a maior população do mundo (mais de 1 bilhão) e o segundo PIB (a despeito do seu PIB, o IDH chinês é o 86.º do mundo, em razão da dimensão da população), caminha na melhora da qualidade de vida do povo sob uma ressalva que questiona o modelo da sua evolução: regime politicamente autoritário, se não totalitário, com economia pretendida liberal, mas monitorada pelo Estado.
A ascensão do IDH brasileiro depende (como em qualquer país) do aumento expressivo do PIB e, quesito fundamental, depende também da qualidade da aplicação da grande parcela do PIB apropriada pela tributação federal, estadual e municipal – aproveitamento hoje em déficit de qualidade, dramático no tocante à saúde (na Noruega e na Dinamarca, primeiro e 11.º IDH e PIB cerca de seis vezes menor que o brasileiro, até as classes A e B se servem de seus bons serviços públicos de saúde; aqui ignoram o SUS, que atende mal a população carente).
Emerge de imediato a fuga da verdade: compensar a aplicação medíocre com o aumento da quantidade de recursos – em suma, mais e/ou maiores impostos é hipótese, no mínimo, questionável.
A carga tributária per capita é menor aqui do que na Inglaterra e na França porque nossa população é muito maior, mas essa vantagem é neutralizada, na realidade, pelo fato de que a renda média da população brasileira, principalmente a da base da pirâmide social, é muito menor: o per capita maior é menos penoso para o inglês ou francês do que o menor para o brasileiro médio e pobre. Essa alternativa não é razoável, salvo sob ameaça de catástrofe fiscal.
O controle da natalidade, por vezes aventado, é controverso sob o enfoque cultural e gerador de problema já sensível na Europa: no modelo previdenciário atual, a queda expressiva da natalidade resultará em menos gente em atividade sustentando mais gente inativa (idosos). Não é solução ponderável para o paradoxo.
Convém pensar primeiro na correção de despautérios que comprometem a qualidade do uso da receita pública: se isso for feito, haverá maior disponibilidade de recursos para a aplicação correta. Vêm sendo citadas no cotidiano da mídia algumas mudanças que contribuiriam para esse propósito.
Exemplos em destaque: reforma da Previdência, privatização do que não precisa ser estatal, correção de abusos remuneratórios (legais ou nem tanto) e da corrupção no serviço público (imperativo fiscal e tachem moral e simbólico)
A extinção e/ou redução dessas e outras mazelas da vida pública brasileira vão necessariamente atingir interesses fortes e causar insatisfação popular e, principalmente, corporativa, com provável turbulência na ordem pública.
Para “tocar” o processo e superar controvérsias e contestações, sinceras ou interesseiras, alicerçadas em séculos de cultura de Estado redentorista provedor onipotente, precisamos de lideranças políticas corajosas e competentes, que prefiram o julgamento da História às benesses do imediatismo irresponsável, ilusório e demagógico, influente no humor eleitoral. Essa premissa condicionante não vem correndo na dimensão necessária.
Resultado: a insatisfação com os tropeços da vida nacional – com “o isso que está aí” – e a pouca esperança de mudança vêm ensejando a dúvida, que já está crescendo no mundo democrático: se o correto não é possível com democracia clássica, que tal “ajustá-la (...?) às vicissitudes da época? Algo como uma República de retórica democrática e prática populista e redentorista, como parece ter pretendido Jânio Quadros, com a renúncia e a volta “forte”.
Exemplo atual: se não é possível construir o muro dentro do figurino da lei, que tal paralisar o governo para vencer a resistência e apoiar a vontade messiânica? Nossa cultura do Estado onipotente é compatível com essa ideia.
A solidez da democracia depende de seu sucesso. Resta-nos torcer para que a nossa consiga superar as dificuldades e promova a (re)construção nacional, que irá compatibilizar o IDH com o potencial do País.
Almirante
O Estado de São Paulo