domingo, 20 de janeiro de 2019

Juiz narra barbaridades de Battisti a pretexto da ideologia


Maierovitch presume que, ao advogar de graça para Battisti, Barroso conquistou a simpatia dos petistas para ocupar vaga no STF. Foto: Acervo pessoal
O juiz Wálter Fanganiello Maierovitch, fundador e presidente do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Criminais, que leu inúmeras vezes o processo em que o italiano Cesare Battisti foi duas vezes condenado por quatro crimes, garante que ele era um delinquente oportunista, que nunca quis trabalhar. Na volta depois das férias da série semanal Nêumanne Entrevista, publicada neste blog, o ex-ministro responsável pela Secretaria Nacional Antidrogas descreve em detalhes o que conhece dos autos e da História italiana, que lhe serve de pano de fundo, e atribui à esquerda brasileira “pura ignorância” para defendê-lo. Lula, Tarso Genro e outros petistas responsáveis por sua permanência de dez anos no Brasil nunca se deram sequer ao trabalho de consultar o que pensava a esquerda democrática de seu país de origem. O relato do professor de Direito Penal é confirmado pelo fato de a expulsão de Battisti pela Bolívia ter sido festejada por esquerda e direita na Itália. A esse relato Maierovitch adiciona o episódio cruel da carbonização de uma família de pobres trabalhadores italianos, cujo chefe militava num grupo neofascista, por outro facínora, Achille Lollo, adotado como ideólogo pelo PT, do qual foi expulso quando denunciado pelo entrevistado, e pelo PSOL, no qual militou até voltar para a Itália quando sua pena prescreveu.
Wálter Fanganiello Maierovitch, natural de São Paulo, tem 71 anos de idade e dispõe de cidadanias brasileira e italiana. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo de São Francisco), é juiz de Direito por concurso público e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Docente de Direito Penal e Processual Penal, foi professor visitante na Universidade de Georgetown, em Washington (1998-1999). Cavaliere della Repubblica Italiana por ato e outorga do presidente Oscar Luigi Scalfaro, em 2 de junho de 1997, fundou, em maio de 1993, e preside o Instituto Giovanni Falcone de Ciências Criminais. É titular da cadeira 28 da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da cadeira 15 da Academia Paulista de História. Foi ministro responsável pela Secretaria Nacional Antidrogas no governo Fernando Henrique Cardoso em 1998. Agraciado com a Ordem do Mérito de Rio Branco e a Ordem do Mérito Militar, representou o Brasil junto à ONU e à OEA. É comentarista da Rádio CBN, nos quadros Justiça e Cidadania e Por Dentro da Justiça, e colabora nos jornais Correio BrasilienseO Estado de S. Paulo Folha de S.Paulo. Já fez conferências no Brasil, na Itália, na Inglaterra, na Argentina, na Romênia, na Colômbia e na Bolívia e tem livros publicados no Brasil e na Itália.

Maierovitch, na foto com a família, conta que PAC de Battisti aleijava vítimas para aterrorizar quem considerava inimigo. Foto: Acervo pessoal
 Nêumanne entrevista Walter Fanganiello Maierovitch
Nêumanne – Quantas vezes o senhor calcula que leu os autos do processo no qual o “pluriassassino”, como o senhor chamou o italiano Cesare Battisti, uma fraude ambulante  em artigo publicado no Estadão de terça-feira 15 de janeiro último, para nos brindar com tantos detalhes? E por que o fez?
Walter – Tenho formação de juiz e me aposentei como desembargador do Tribunal de Justiça. Magistrado, atuei como juiz, juiz criminal, de execução criminal, do júri, corregedor de presídios e da polícia judiciária e do especializado e então Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. No Tribunal de Justiça sempre estive em Câmaras Criminais e no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) dei votos em diversos processos por crimes eleitorais. Minha bússola: não deixar crimes impunes e não punir inocentes. Essa bússola funciona bem quando se mergulha no exame profundo das provas processuais. Leituras diversas, releituras, reflexões e noites de permeio (nada de pressa). Com relação ao Battisti, perdi a conta das vezes, durante anos e anos, que li os processos. Escrevi mais de 50 artigos e dei inúmeras entrevistas, desde a sua prisão no bairro de Copacabana (Rio de Janeiro), em 18 de março de 2007. Agora, atenção, atenção. O caso Battisti não pode ser analisado sem que se tenha um profundo conhecimento da história política e institucional da Itália, em especial após a 2.ª Guerra e a partir do final dos anos 60, chamados de “anos de chumbo”: em maio de 1978 as Brigadas Vermelhas sequestraram e mataram o estadista Aldo Moro, ex-premier, presidente do Partido da Democracia Cristã (PDC) e professor de Direito Processual Penal. Por “anos de chumbo” (anni di piombo) se entende o arco temporal histórico entre o final dos anos 60 e o início dos anos 80. Existia o terrorismo de esquerda (terrorismo rosso) e o terrorismo de direita (terrorismo nero): a organização denominada “Núcleos Armados Revolucionários” foi a responsável pela tragédia de Bologna, ou seja, a explosão da estação ferroviária central, com 85 mortos e 200 feridos graves. Battisti integrava a organização chamada “Proletariados Armados para o Comunismo” (PAC). Era uma pequena organização terrorista eversiva de menos de 30 membros. Ela atuava no norte da Itália, entre as regiões da Lombardia e do Veneto. Um de seus fundadores foi Pietro Mutti, nascido em 1954. Este, antes, tinha atuado na “Luta Continua” e quando preso, em janeiro de 1982, já pertencia à organização “Prima Linea”. Mutti virou colaborador de Justiça e obteve redução de penas. Cumpriu oito anos de prisão fechada. Sobre o PAC, disse que tinha dois protagonistas: um era ele, o outro, Battisti. Mutti conheceu Battisti por intermédio de Arrigo Cavallina (falarei sobre ele na resposta à sua segunda pergunta). Na ocasião Battisti era apenas um ladrão comum e descontava pena por crimes contra o patrimônio alheio. Foi Mutti quem convidou Battisti a ingressar no PAC. Mais ainda, foi Mutti quem organizou a ação bem-sucedida de resgatar Battisti do presídio de Frosinone. Ao contrário do que constou da campanha de desinformação pró-Battisti no Brasil, com o então senador Suplicy como porta-voz, Mutti não trocou a delação pela liberdade, pois permaneceu oito anos preso. Nem recebeu, ao sair do regime fechado, salário mensal do Estado italiano.
Contra Battisti pesam duas sentenças condenatórias definitivas. Elas transitaram em julgado em 1991 e 1993. Battisti, nesses dois processos, foi condenado à pena de prisão perpétua (ergástulo) por quatro homicídios (três em coautoria e um por participação). Os homicídios ocorreram entre junho de 1978 e abril de 1979. Nessas duas definitivas condenações, Battisti foi também condenado por tentativa de sequestro, três lesões corporais e diversos furtos.
N – Que circunstâncias levaram o delinquente juvenil Cesare Battisti a aderir à organização terrorista Proletariados Armados para o Comunismo (PAC, mesma sigla do Programa de Aceleração do Crescimento de Dilma Rousseff), cujo objetivo precípuo seria difundir o medo entre vítimas em potencial, definidas como “porcos a serviço do capitalismo”?
W – Battisti, nascido em dezembro de 1954, sempre foi um delinquente oportunista. Nunca quis trabalhar. Nascido na cidade de Cisterna de Latina, vizinha de Roma, vivia de furtos e roubos. Por isso acabou preso e mandado, em 1977, para a prisão de Udine. Lá conheceu Arrigo Cavallina, o ideólogo do PAC e um dos seus fundadores. Cavallina, que com Battisti matou Antonio Santoro (agente penitenciário), beneficiou-se da norma premial de se declarar desassociado da luta armada. Dos 22 anos de condenação definitiva, passou 12 em regime fechado. Como Battisti sofria de laborfobia, aproximou-se da escritora francesa Fred Vargas, militante do Partido Socialista e campeã de vendas de livros de suspense. Com Vargas, Battisti vira escritor de livros de suspense, aproveitando o seu conhecimento de delinquente. Tudo aconteceu quando do seu segundo refúgio na França (depois da fuga do presídio de Frosinone em 81, entra na França). Fica um ano e muda para o México, em Puerto Escondido. Volta a Paris em 1990, recebe proteção de socialista e se beneficia da “doutrina Mitterrand” (presidente da França que deu ordem verbal de não expulsão de condenados que se declarassem desligados da luta armada em seus países de origem). Quando a doutrina Mitterrand caiu, a Itália conseguiu a extradição de Battisti na Justiça francesa. Posto em prisão domiciliar no curso do processo de extradição, acabou fugindo e chegou ao Brasil. Todas as organizações terroristas de esquerda usavam, para difundir o medo e obrigar os operários a aderirem a greves e distribuírem volantes sobre a luta armada, da intimidação difusa. Isso se dava pela gambizzazione (de gamba, que é perna em italiano). Ou seja, aleijavam trabalhadores. Os feridos faziam o papel de difusores da luta armada. Tinham sofrido aleijão permanente e quando se movimentavam, isso ficava visível. O PAC também se dedicou a essa crudelíssima gambebizzazione.
Depois de cada ação, o PAC espalhava folhetos e ligava para as redações de jornais para informar sobre os crimes e dar o nome do “porco a serviço do capitalismo” que havia sido executado. Tudo fazia parte do processo de difusão do terror. E ajudava o PAC a atingir uma das suas principais metas, que era ser absorvido pelas Brigadas Vermelhas, mais bem estruturadas e com atuação por toda a Itália.
N – Quais seriam as circunstâncias especiais graças às quais Battisti e seus companheiros “revolucionários” selecionavam as vítimas que executaram? Que serviços elas prestariam ao capitalismo e que riscos elas poderiam representar para o projeto político do grupo?
W – Battisti fazia parte do núcleo decisório das ações a serem perpetradas. Esse grupo pegava o jornal do dia e via nomes e anúncios. Eles escolhiam assim as vítimas. Por exemplo: Pierluigi Torregiani, um joalheiro de periferia, tinha, e os jornais noticiaram, evitado um assalto e usado arma de fogo. Foi escolhido. O PAC iria vingar o assaltante desconhecido. Mais: os jornais faziam referência a Torregiani como membro de uma sociedade de amigos de bairro e a seu discurso de ultradireita. Battisti participou da escolha. Na ocasião, foram formados dois grupos de extermínio. Um liquidaria Torregiani e outro, um tal de Lino Sabbadin, açougueiro no minúsculo distrito (local de onde poderiam fugir com facilidade) de Caltana, próximo da cidade de Santa Maria de Sala (Veneza).
No Brasil, os assessores de imprensa de Battisti diziam, com Suplicy a fazer cara de surpreso e indignado: como poderia Battisti matar, estando em outro lugar quando Torregiani foi executado? No particular, Battisti foi condenado por participação, e não por coautoria. Essa foi a sentença. Ou seja, foi considerado coautor do homicídio de Sabbadin e participante (partícipe, pelos códigos penais de países civilizados, é quem de “qualquer forma concorre para o crime”) do homicídio de Torregiani.

Um dos programas de lazer favoritos de Maierovitch é torcer pelo Palmeiras na companhia da filha, Maria Fernanda. Foto: Acervo pessoal
N – O que motivou especificamente as execuções com as quais Battisti se envolveu, seja como autor, seja como participante presente à cena do crime? Por que essas vítimas foram escolhidas e quais as características em comum entre elas?
W –A Itália, depois do fascismo, elaborou a sua Constituição que entrou em vigor em janeiro de 1948  e ainda está em vigor. Como Estado democrático e de regime parlamentarista. Não pelo voto, que não teriam jamais, mas pelas armas, os movimentos eversivos procuraram derrubar o governo democraticamente eleito. O presidente da República era o socialista Sandro Pertini. O partido da Democracia Cristã, até então majoritário, sofria internamente um racha. O centro, liderado por Aldo Moro (sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas), havia se aproximado dos eurocomunistas liderados por Enrico Berlinguer. Os movimentos de luta armada eram de esquerda radical, de matriz soviética e de ódio aos eurocomunistas (social-democratas). Isso explica a razão de a atual esquerda italiana democrática haver aplaudido a prisão de Battisti (confira-se o discurso de Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro, no Parlamento, após a prisão e entrada de Battisti em território italiano).
O PAC reagia contra os considerados capitalistas. Apenas os operários não eram considerados como tal. E os que não aderissem eram vistos como a serviço do capitalismo e a trair a causa operária. Começou a atuar como força auxiliar num projeto de derrubar o governo democrático. Numa reação contra a eversão de esquerda e de direita radicais, Aldo Moro e Enrico Berlinguer teceram o fundamental “Compromisso Histórico”, uma aliança para manter a democracia e não deixar o Estado italiano cair nas mãos dos soviéticos, por meio do terrorismo “vermelho”, nem retroceder ao fascismo, pela eversão promovida pelos terroristas de ultradireita (terrorismo nero) .
N – Que direitos fundamentais de defesa foram negados a Cesare Battisti pela Justiça italiana, personificada nos 60 juízes que o senhor citou no artigo, e por que a Corte de Direitos Humanos da União Europeia, se teria recusado a considerar seus crimes como “políticos”, além de não ter identificado nulidade alguma nos julgamentos citados?
W – A insuspeita Corte de Direitos Humanos da União Europeia, sediada na cidade francesa de Estrasburgo, tem jurisdição vinculante nos Estados-membros. Em outras palavras, as decisões da Corte Europeia obrigam. Battisti apresentou-se à Corte como perseguido político. E a Corte respondeu com a sua sólida jurisprudência, de não se poder matar quando se discorda da ideologia de outro. Mutatis mutandis, é como se James Earl Ray, assassino de Martin Luther King, quisesse a aceitação dos argumentos de que matou por não concordar ideologicamente com as posições de King. Em síntese, não se aceita, entre civilizados, evento de sangue ou morte por intolerância e para prevalecimento de ideias. A Corte entendeu, ainda, que não houve violação da ampla defesa. A alegada revelia foi rejeitada, pois Battisti conhecia bem as acusações. Optou por fugir e se manter revel, mas escolheu e deu procuração a advogados.
Na campanha de desinformação, a escritora de romances de suspense Fred Vargas quis construir algo imaginário, cabível, evidentemente, em livros. Afirmou que as procurações era falsificadas. Comprovou-se, entretanto, que estava a mentir. Battisti quis, perante o Supremo, obter um reexame das provas. Como se o Supremo fosse uma Corte de revisão da Justiça italiana e da Corte de Direitos Humanos da União Europeia. Até o instituto da extradição se quis desvirtuar. Numa extradição não se reexamina o mérito da condenação.

Maierovitch com a mulher, Sandra Accorsi, diante de cartaz com sua fotografia em homenagem a oriundi no Conjunto Nacional, em São Paulo .Foto: Acervo pessoal
N – Por que, a seu ver, o dirigente do PAC Luigi Bergamin, ao depor à Justiça italiana, atribuiu a Battisti uma fúria sanguinária que ele mesmo não tinha, embora o tenha ajudado a matar o açougueiro; e sua ex-namorada, hoje historiadora, Maria Cecilia Barbetta contou no mesmo processo que ouviu de Battisti a revelação de que se comprazia em ver a vítima sangrar?
W – Luigi Bergamin vive na França e, pela Justiça italiana, está condenado a 27 anos de prisão. É um dos fundadores do PAC. Ajudou na operação de fuga de Battisti do cárcere de Frosinone. Foi um dos intelectuais do PAC. É professor de Direito e formado também em Economia. Intelectualmente, não é um despreparado como Battisti. Bergamin restou condenado nos homicídios de Sabbadin e Andrea Campagna. Não teve atuação igual à de Battisti, autor dos disparos. A sentença condenatória, ao dosar a pena, afirma que ele não tinha o mesmo ativismo nem a “ferocidade sanguinária” de Battisti. A professora Barbetta, que se desassociou do PAC, namorou Battisti. Depois de Battisti ter matado Santoro, resolveu tirar umas férias. Foi para a Sardenha em companhia de Maria Cecília Barbetta e ficaram num camping. Em maio de 1982 e em juízo, Barbetta contou: “Battisti revelou-me como era o sentimento depois que se matava uma pessoa. Ele se referia ao homicídio de Santoro”.
N – O que o senhor acha que motivou a benemerência de pelo menos 20 pessoas, entre as quais brasileiros, que financiaram a empreitada de Battisti de se manter foragido viajando por França, México e Brasil, algo que, na certa, deve ter representado uma despesa significativa?
W – A informação sobre a rede de favorecimento e proteção a Battisti é do responsável pelo eficiente departamento antiterror italiano, Lamberto Giani. Por evidente, Battisti precisou de ajuda, incluída a financeira, e não deve ter sido pouca. No Brasil, Battisti não deve ter vendido muitos livros, imagino. Como sabem até as portas das carceragens, um fugitivo não se desloca entre países sem ter um local antes preparado para se esconder.

Maierovitch, na foto com a mulher, Sandra, define Battisti como delinquente oportunista. Foto: Acervo de família
N – Que razões teve o ex-ministro da Justiça petista Tarso Genro para usar a força de um cargo público de tal relevância para manter o facínora sob proteção do Estado brasileiro e o ex-chefe dele, Lula, para negar sua extradição, pedida pela Itália, no último dia de seu mandato, em agradecimento a um favor pessoal que lhe tinha sido feito pelo militante trotskista argentino Belisário Vermus (vulgo Luís Favre), por este ter abrigado em seu apartamento em Paris, quando vivia com sua então esposa Marília Andrade, de uma família de empreiteiros milionários de Minas, envolvidos na devassa da Operação Lava Jato?
W – Só a ignorância e o fanatismo ideológico explicam o amparo do ex-governador Tarso Genro. Ele chegou a dizer que Battisti lutava contra um governo fascista na Itália. Pasmem: o presidente era o socialista histórico Sandro Pertini! Pertini, sim, foi um dos heróis da resistência italiana contra Mussolini e encarcerado por isso. Desconheço o episódio Favre. Na Itália, a esquerda democrática apostava na extradição por ato do então presidente Lula. Lula havia visitado a Itália e teria prometido a extradição de Battisti ao então presidente Giorgio Napolitano, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano (eurocomunismo, entendido como partido de esquerda democrática, diverso do comunismo de matriz soviética).

Maierovitch com a equipe da CBN: Milton Jung, André Sánchez e Marcos Atalla. Foto: Acervo de família
N – O que pode ter levado o ministro do STF Luís Roberto Barroso a aceitar defender Cesare Battisti e ainda distorcer, como o senhor acusa em seu artigo, fatos da História da Itália (como atribuir ao país a condição de “Estado de exceção”), de vez que se espera que tenha consultado os mesmos autos que o senhor cita como fontes?
W – O ministro Barroso sempre foi um nome de destaque no campo do Direito Constitucional. Autor respeitado de livros sobre o tema e advogado de nomeada. Penso que deve ter defendido Battisti de graça, pois este não tinha como pagar os seus honorários, que sempre foram elevados na advocacia. Com a defesa de Battisti o ministro Barroso conseguiu a agradar aos admiradores do pluriassassino. E, certamente, se fortaleceu na indicação política de uma vaga para o Supremo. Evidentemente, ninguém pode ficar indefeso. O advogado é parte fundamental numa relação processual. Agora, defesa técnica.
O voto do ministro Cezar Peluzo, relator da extradição, foi precioso e destruiu o imaginário que se quis criar de um Battisti herói.
N – O que, a seu ver, levou o PT, o PSOL e outros partidos de esquerda no Brasil a assumirem de forma tão leviana e apaixonada a defesa de um bandido dessa estirpe, se seus companheiros italianos, ao contrário deles, comemoram o fim de sua fuga pela óbvia razão de que a companhia de um elemento como Battisti jamais poderia ser benéfica para ninguém?
W – Pura ignorância. Não se deram ao trabalho de verificar o que pensava a esquerda italiana democrática. A mesma ignorância que fez o PT e o PSOL aceitarem, nos seus quadros e como ideólogo (era assim que ele se apresentava à imprensa brasileira) Achile Lollo. Lollo, na luta armada, pôs fogo, em abril de 1973, no apartamento de um varredor de rua. Matou o varredor (Mario Mattei) e seus dois filhos (Virgílio e Stefano). Os três morreram carbonizados. Essa tragédia, Rogo di Primavalle (Incêndio em Primavalle), ocorreu no periférico e pobre bairro romano chamado Primavalle. O varredor era, no bairro popular e operário, associado ao Movimento Social, que agregava neofascistas. Apenas em 2005 Lollo confessou a sua participação. Destacou que colocou o galão de gasolina na porta do apartamento de Mario. Mas como estava sem fósforos ou isqueiro, deixou o lugar para comprar. Quando voltou, o incêndio tinha ocorrido e alguém, na sua opinião, deve ter despejado gasolina por debaixo da porta e ateado fogo.
O referido Lollo, que pertencia à organização terrorista denominada Poder Operário, fugiu para o Brasil. Abriu uma pequena editora no bairro carioca do Botafogo. Quando comecei a escrever sobre Lollo, o PT o expulsou das fileiras. E ele encontrou abrigo no PSOL. Não ficou muito tempo no PSOL, uma vez que o prazo processual de prescrição ocorreu e Lollo voltou para a Itália. Todos os anos, no dia 16 de abril, na praça do bairro de Primavalle, os moradores se reúnem para orar pela alma das duas crianças mortas e pelo seu pai. Tudo para a tragédia não ser esquecida.
Permita-me complementar contando que o respeitado procurador Giancarlo Caselli enfrentou, na sua carreira de magistrado do Ministério Público, o terrorismo e as máfias. Nos anos de chumbo (anni di piombo) foi juiz instrutor antiterror. Depois, quando a Cosa Nostra siciliana dinamitou o magistrado Giovanni Falcone, coube a Caselli ir enfrentar o crime organizado. Caselli, que é meu amigo, contou-me um drama. Gente muito jovem havia sido cooptada pelas associações terroristas italianas. As condenações foram pesadas e os jovens tinham caído em si. A Itália preparou, então, o instituto da desassociação. Um condenado pela eversão podia, de próprio punho, fazer uma declaração de desassociação. Feito isso, aplicava-se o recém-criado direito premial. Battisti achou melhor fugir da Justiça.
E ao chegar à Itália, expulso pela Bolívia, ele continua “causando”. O ministro da Justiça, Buonafede, ao que parece sem muita boa-fé, mandou filmar o prisioneiro sendo interrogado por ele e agora responde por crime contra o Código Presidiário. O vice-primeiro ministro, Matteo Salvini, que mandou e-mails para o filho de Bolsonaro agradecendo pela extradição decretada no Brasil, foi esperá-lo no aeroporto e o insultou. Para evitar correr o risco de ser processado, Salvini cancelou a viagem que prometeu fazer em janeiro para visitar o presidente brasileiro e encarregou o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, de representá-lo em encontro com Bolsonaro marcado para o 14 de fevereiro. Só rindo…

Maierovitch conta as trapalhadas do governo italiano na chegada de Battisti para cumprir pena. Foto: Acervo de família

José Nêumanne, O Estado de São Paulo