Segundo a Aneel, os consumidores de energia elétrica pagarão em 2019, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), cerca de R$ 20 bilhões para custear subsídios destinados a consumidores de baixa renda, consumidores localizados nos chamados sistemas isolados, atividade rural, irrigantes, empresas de saneamento, termoelétricas a carvão mineral, pequenas empresas de distribuição e geradores e consumidores livres de fontes alternativas de geração.
A Consulta Pública n.º 45, de 2018 (CP 45), do Ministério de Minas e Energia (MME), revela características desses subsídios. Salvo algumas exceções, não têm relação direta com o setor elétrico, como os destinados ao saneamento, à atividade rural e à irrigação; não têm objetivos claros, metas, acompanhamento, prazo e portas de saída; não são focalizados nos mais pobres; não exigem contrapartidas; e apresentam distorções econômicas, sociais e ambientais. Pagamos tarifa de energia elétrica mais cara para termos tarifa de água mais barata; não sabemos as características sociais e econômicas dos beneficiários de alguns subsídios, como os destinados à atividade rural e à irrigação, porque não é possível identificar quantos desses beneficiários são da agricultura familiar; um irrigante tem energia elétrica subsidiada sem precisar comprovar a outorga para captar água do rio; damos subsídio às empresas de médio porte comprarem energia elétrica de fontes alternativas e deixamos o mercado regulado, que atende o segmento residencial, pagar a maior parte da conta.
Apesar do valor expressivo, poucas são as propostas concretas para enfrentar a escalada desses subsídios. Mas são comuns propostas legislativas que acentuam esse movimento de elevação, como as destinadas a assegurar o desenvolvimento de determinada fonte de geração eletricidade. Trata-se de algo contraditório com a realidade que vivemos e que parece ignorar as distorções causadas no funcionamento do setor.
Considerando que, em termos econômicos, os subsídios tarifários equivalem a um imposto para quem paga e a uma subvenção estatal para quem recebe, identificamos neles descompasso com a Constituição, porque estão em contradição com:
1) Os princípios tributários, tais como seletividade, progressividade e capacidade econômica do contribuinte. As seguintes situações são ilustrativas: o valor pago por cada consumidor para custear os subsídios não é afetado por sua renda, ou seja, não observa a capacidade econômica do pagante; e os consumidores de menor renda subsidiam energia elétrica para outros de maior renda, o que atenta contra a progressividade. Consumidores têm questionado judicialmente as elevadas alíquotas de ICMS, alegando que infringem o princípio da seletividade em razão da essencialidade do produto. Se a energia elétrica, por ser um bem essencial, não pode ser tributada com alíquotas elevadas de ICMS, é incoerente incorporar nas tarifas o custo de subsídios que, em vários casos, simplesmente não têm relação com o serviço. A distorção é agravada pelo fato de esse custo compor a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a energia elétrica.
2) A determinação de que o gasto público está sujeito a um teto e a diretrizes, metas, acompanhamento e avaliação de resultados. Essas orientações não são aplicadas aos subsídios do setor elétrico, principalmente porque, conforme abordado na CP 45, nem sequer há clareza do que se busca atingir com determinados subsídios.
3) A orientação de o Estado promover a redução de desigualdades e o serviço público eficiente e adequado. A CP 45 revela, por exemplo, que consumidores de menor poder aquisitivo pagam valor maior pela energia a para grandes produtores rurais pagarem menos ou para grandes empresas comparem, com subsídio, eletricidade de fontes alternativas. Além disso, os subsídios provocam ineficiências, porque elevam artificialmente o preço da energia elétrica, induzindo o consumidor a gastar em ações que não seriam necessárias, como a migração para a autoprodução de energia.
Diante da possibilidade de driblar as regras aplicadas aos gastos públicos, ficar livres das amarras aplicadas à tributação e, sobretudo, não ser alcançados pelas limitações fiscais do Estado, grupos de interesse com poder de pressão procuram obter benefícios na forma de subsídios nas tarifas elétricas, repassando o custo aos demais consumidores. Essa estratégia tende a ser mais utilizada num cenário de ajuste fiscal.
A perpetuação do modelo atual de subsídios no setor elétrico aprofunda a concentração de renda. Para passarem de pagantes a beneficiárias dos subsídios, médias e grandes empresas podem comprar energia elétrica de fontes renováveis no mercado livre ou investir em autoprodução. Os consumidores de maior poder aquisitivo, por sua vez, podem investir na microgeração e na minigeração distribuídas. Já aos consumidores mais pobres só resta arcar com o custo do volume crescente de subsídios decorrente dessas ações.
É preciso urgentemente enfrentar, de forma estrutural, as injustiças e distorções do modelo de subsídios do setor elétrico. Os subsídios sem relação direta com o setor elétrico deveriam ser eliminados ou transferidos gradualmente para o Orçamento Geral da União. Isso permitiria que a sociedade, por intermédio de seus representantes eleitos, decidisse a melhor alocação para os recursos públicos. Só deveriam ser incluídos nas tarifas os subsídios relacionados diretamente ao setor elétrico, desde que tenham objetivos claros, prazos e metas e estejam sujeitos a contrapartidas e a critérios econômicos, sociais e ambientais. Nesse sentido, a decisão do MME, anunciada em 19/12/2018, de propor um decreto que elimina gradualmente alguns descontos tarifários cobertos pela CDE está no caminho certo e deveria servir de motivação para outros avanços no combate às distorções provocadas pelos subsídios.
*CONSULTOR LEGISLATIVO, FOI SECRETÁRIO ADJUNTO DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA E DIRETOR DE PROGRAMAS DA SECRETARIA EXECUTIVA DO MME
O Estado de S.Paulo