Precisamos de mais médicos. E mais arquitetos, mais dentistas, mais artistas, mais professores — até mais operadores de telemárquetim, ainda que isso possa parecer controverso. A questão da saúde, porém, é que é dramática. E se, como dizia o sociólogo Betinho, “quem tem fome tem pressa”, quem sente dor também tem.
A mão de obra para suprir essa demanda sempre esteve disponível aqui mesmo — nem precisaria ser estrangeira, ou terceirizada por alguma ilha caribenha. Mas... por que não?
Para certas coisas, não deveria haver fronteiras.
Para certas coisas, não deveria haver fronteiras.
Acontece que o Mais Médicos — assim como o Bolsa Família — é daqueles casos de programa bom que quase se perdeu por causa das más companhias. Seu objetivo (na teoria...) não era apenas possibilitar que o médico fosse aonde o povo estava, mas também qualificar profissionais, ampliar o número de vagas de graduação e residência, valorizar a atenção básica. Ou seja, veio de fábrica com as melhores intenções — das quais a política está cheia. E, na prática, embutia o financiamento velado a um país irmão camarada, por meio daquela mão boba em 70% do salário. E incluía diplomas não validados. E restrições aos direitos fundamentais de opinião, de associação, de ir e vir, de vir e ficar. E, para completar, prefeituras de cidades ricas do Sul e do Sudeste que preferiam demitir profissionais e transferir para si recursos humanos e materiais muito mais necessários no Norte e no Nordeste.
Por isso, a “crise” com o governo de Cuba não poderia ser mais saudável. Ela põe a nu um problema e permite atacá-lo de vez, além de redirecionar o programa para aquilo a que ele efetivamente deveria se destinar: o atendimento à população mais pobre, não a interesses ideológicos ou eleitorais. Principalmente agora que se sabe que a ideia do programa partiu de Cuba, que o valor inicialmente cobrado por profissional era de US$ 8 mil (depois de barganhar, o Brasil fechou negócio por 5 mil) e que eventuais pendências judiciais terão que ser decididas em... Havana. Muy amigos.
Os cubanos que não desertarem deixarão o país antes da posse do novo governo; os demais estrangeiros não têm por que ir embora, já que vieram por vontade própria.
Deixariam também algo em torno de 20 milhões de brasileiros desassistidos. Ou não.
Deixariam também algo em torno de 20 milhões de brasileiros desassistidos. Ou não.
Poucas horas depois do lançamento do novo edital, já havia inscritos em número suficiente para preencher quase a metade das 8.517 vagas abertas (ou, talvez, todas — se o sistema não tivesse — adivinhe! — entrado em pane).
Por sorte, Cuba não exporta também professores (operadores de telemárquetim, então, nem pensar, já que centrais de venda e de atendimento ao consumidor não são o forte por lá). Nesse caso, teríamos que lidar com outra debandada, e mais lenha na fogueira da “escola sem partido”.
É que carecemos também de escolas com partido — o da pluralidade. Escolas que abordem as regras do jogo democrático da mesma forma que fazem com as das partidas de futebol — manhas e fintas fazem parte, mas o importante é o ferplêi. Que expliquem que faltas precisam ser punidas e que o impedimento — por complicado que pareça — não é golpe. Que não há quem seja sempre o campeão moral, ganhando ou perdendo. Que o juiz não pode usar a camisa de uma das equipes, ser sócio torcedor ou comemorar um gol.
Que é melhor ser a escola de todos os partidos (ou todos os times, para manter a metáfora) que ser de partido nenhum, ou de um partido só.
E precisamos, sim, de mais operadores de telemárquetim. As centrais de atendimento (não achei ainda uma forma aceitável de aportuguesar “call center” ) funcionam como porta de entrada no mercado de trabalho, a primeira oportunidade de renda para milhares de jovens (o assistencialismo não é a única ou a melhor forma de inclusão).
Enfim, precisamos de muitos novos postos de trabalho (quem está desempregado também tem pressa), de mais médicos (sem nenhum direito a menos), de mais professores (sem nenhum propósito a mais que não seja o de educar). E de menos (mu)tretas.
O Globo