Jair Bolsonaro circulou em Brasília esta semana. Além de uma cerimônia no Congresso, esteve com Temer, com militares e com o presidente do STF.
Pela primeira vez, apareceu como novo líder da Nação, sem mensagens pelas redes sociais e situações informais. Seguiu um protocolo de presidente eleito, cuja diplomação ocorrerá em um mês.
No encontro com o ministro Dias Toffoli sugeriu um canal de comunicações permanente para que as iniciativas do Executivo seguissem de forma “mais harmônica seu curso no Parlamento e se evitassem choques futuros com o Supremo”. Bom começo.
Mas a harmonia esperada não durou 24 horas. No mesmo dia, Toffoli trabalhou, e teve êxito, para que o aumento de salários do STF fosse aprovado pelo Senado. O mesmo Toffoli que vem defendendo publicamente a reforma da Previdência e o ajuste fiscal. Ajuste dos outros, é claro.
O presidente do STF prometeu em troca suspender o auxílio moradia para quem não precisa. Estranha negociação. Ou o auxilio moradia é devido ou não é, não deveria ser moeda de troca, especialmente, pela Suprema Corte.
Por sua vez, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, como mau perdedor, decidiu tocar fogo no circo. O compromisso com o País é zero. O compromisso com as corporações é total. Sem vinculação alguma com a futura legislatura, o presidente do Senado resolveu chutar o balde. E foi, infelizmente, acompanhado pela maioria de seus pares, mesmo aqueles que deverão avaliar ano que vem uma série de reformas necessárias para enfrentar a grave crise fiscal.
Eunício mostrou como funciona a independência dos três Poderes na vida real. Teria tomado a decisão, segundo ele, em resposta à declaração de Paulo Guedes de que deveria se dar uma “prensa” no Congresso para que votassem a sempre urgente reforma da Previdência.
A falta de experiência do czar da economia com a máquina política e burocrática de Brasília vem causando curtos-circuitos. A “prensa” não foi o primeiro deles e, muito provavelmente, não será o último. A toda hora o futuro presidente tem de corrigir alguma declaração, num vai e vem de propostas que não ajuda a clarear o cenário. Para uma eleição onde o programa de governo não foi relevante, nem sequer discutido, há uma natural ansiedade da sociedade para saber os rumos da nova administração.
Como será o governo Bolsonaro? Autoritário? Liberal? Quem definirá os rumos da economia? Paulo Guedes? Bolsonaro tem compromisso com as corporações de onde ele saiu e a quem tanto prestigia, trazendo militares para dentro de seu governo.
Defesa dos interesses das corporações e ajuste fiscal não cabem na mesma agenda econômica. As interdições à privatização das principais estatais, consideradas por Bolsonaro estratégicas, vão contra o discurso liberal. Guedes precisa afinar seu discurso ao do presidente eleito, apesar de muitos preferirem o contrário.
Na agenda política, também há uma certa esquizofrenia. Ao mesmo tempo que jura obediência à Constituição, Bolsonaro confirma os temores de uma atuação mais autoritária com a declaração de que poderia utilizar verbas oficiais para enquadrar a imprensa. A reação do STF a qualquer iniciativa que pudesse ferir liberdade de expressão, de associação e liberdade da imprensa foi rápida e unânime, até pacificando o Supremo.
Mas, por incrível que pareça, a fala de Bolsonaro recebeu apoio de alguns eleitores fanáticos que enviaram mensagens no WhatsApp com o seguinte teor: “Vamos quebrar as pernas da grande mídia!”. Patético, para dizer o mínimo. Imaginar que há pessoas que só querem ler sobre o que concordam, com preguiça de pensar e com uma declarada falta de disposição para o contraditório, não é muito auspicioso. Confirma um nível de polarização que interdita o diálogo.
Óbvio que cada um de nós tem sua preferência por determinadas linhas editoriais. Como consumidores podemos escolher que jornal iremos comprar. O governo não. Sua atuação deve ser impessoal. Não pode de forma alguma usar verbas como chantagem, como também não pode barrar determinados veículos em coletiva à imprensa. Pelo menos, não numa democracia.
Aproveitando a comemoração dos 30 anos da Constituição Cidadã, Bolsonaro reafirmou seu respeito e obediência à Constituição. Nem poderia ser diferente. Precisa ajustar o discurso à prática.
Na festa da democracia, quem tem boca grande não entra.
*ECONOMISTA E ADVOGADA
O Estado de São Paulo