quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Paulo Cezar Caju X Alex de Souza

Os ex-jogadores Paulo Cezar Caju e Alex de Souza Foto: Simone Marinho/ Ahmet Dumanli / Agência O Globo/ Anadolu Agency/Getty Images
Os ex-jogadores Paulo Cezar Caju e Alex de Souza - Simone Marinho/ Ahmet Dumanli / Agência O Globo/ Anadolu Agency/Getty Images
Paulo Cezar Caju, 69 anos, carioca 

Posição em campo: meia e ponta-esquerda 

Onde jogou: Botafogo, Flamengo, Olympique de Marseille (França), Grêmio, Corinthians, Vasco e Ajax (Holanda

Atualmente: Colunista de O Globo
Alex de Souza, 40 anos, curitibano 

Posição em campo: meia 

Onde jogou: Coritiba, Palmeiras, Flamengo, Cruzeiro e Fenerbahçe (Turquia) 

Atualmente: Comentarista da ESPN
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Neymar ficar fora da lista dos melhores da Copa é justo?

Paulo Cezar Caju Eles julgam muito pela vitória em uma competição europeia ou em um mundial. Acho que tem a ver também com o comportamento dele nesses dois, três anos antes da Copa do Mundo. Tudo isso pesou contra. O Brasil foi mal na Copa. Neymar não jogou bem. Não foi decisivo. Foi motivo de chacota no mundo inteiro devido aos gestos quando ele era atropelado. Às vezes com certa violência; às vezes, não. A atuação do Brasil, o comportamento do Neymar na vida particular, tudo isso pesa, principalmente sendo julgado pelos europeus.

Alex de Souza Sinceramente eu não sei muito bem como funcionam essas listas, até porque, até o momento da lesão do Neymar, era improvável que ele não aparecesse entre os cinco primeiros. Na semana da lesão dele também teve a eliminação da Champions League, que é a principal competição, e durante a Copa do Mundo, logo que acaba tem um chamariz maior, ele jogou num bom nível, mas abaixo daquilo que a gente sabe que ele pode jogar. Houve as referências negativas e a forma como ele se colocou diante da Copa. Dizer aqui se foi justo ou injusto, não tenho uma ideia. Olhando o contexto todo do ano, eu colocaria o Neymar entre os dez. Mas, se formos olhar até o momento final das ligas europeias e da Copa do Mundo, aí não seria surpresa.

Neymar é perseguido ou injustiçado?

PCC Eu não acho ele injustiçado, não. Ele errou. Não tem nada de perseguido, não. Já foi para a segunda Copa do Mundo. Na penúltima foi aquela decepção dos 7 a 1, em que ele não jogou. É devido ao comportamento dele, ao modo dele de jogar. É um jogador que depende muito da habilidade. Ele é muito habilidoso, mas é um habilidoso individualista. Ele não joga em prol da coletividade. E na Copa do Mundo é tudo curto, você não tem tempo de recuperar. Quando passou da primeira fase, entrou nas oitavas, quartas e semifinal e final, perdeu, vai embora. Aí fica a lamentação. Vamos ter de esperar mais quatro anos. Até 2022, no Catar, vamos continuar falando do Neymar, porque ele tem 26 anos. “Ah, o Neymar vai se recuperar. O Neymar vai amadurecer.”

AS Não acho nem um nem outro. Agora a exigência que às vezes temos é em cima do cidadão, em cima do posicionamento e em cima das atitudes das quais muita gente discorda. Quando acaba o Mundial, ele sai sem dar uma palavra e só se comunica com o público por meio das redes sociais... Acho um erro. Ele tem tamanho para enfrentar qualquer tipo de questionamento que o incomode. É um cara muito grande, um personagem enorme e, se não aprendeu, vai ter de enfrentar o ônus e o bônus de ser o Neymar, porque extrapolou a situação de ser um simples nome.
O jogador que se preocupa mais com a imagem fica sem foco no campo?

PCC Acho que a preocupação dele não é nem com a imagem. Ele é um garoto que não amadureceu ainda.

AS A maior propaganda de jogador de futebol é o comportamento. No campo, ele vai jogar o que sabe, vai mostrar a condição que tem e aí você vai ver os jogadores extrassérie, como é o caso do Neymar, os excelentes, os bons, os razoáveis... É um conjunto de situações junto com o comportamento, uma coisa caminha com a outra. O modo como eu vejo não só o futebol, mas também a vida. E hoje a gente tem um questionamento diferente com o Neymar porque a bola que ele joga é uma coisa, e o comportamento demonstrado é outro. Então acredito que ele tem a condição de equilibrar isso, e, na hora em que conseguir, vai ser muito maior do que já é.

Você acha que, aos 26 anos, ainda se é “garoto” no futebol?

PCC Não, mas ele se acha — e se comporta como — um garoto. Só que ele já tem 26 anos. Ele já é pai. Ele tem responsabilidade. Isso já vem desde 2014. Não é a primeira vez. Neymar já deixou vocês na mão na Copa América, na Copa das Confederações, ganhou a Olimpíada no pênalti. É a segunda Copa do Mundo dele. Já vai para a terceira Copa daqui a quatro anos. Serão 12 anos no ciclo do Neymar e ainda se fala do comportamento dele, das atitudes dele. O Neymar é uma pessoa madura. Ele tem um jato particular, que é mérito dele. Ele tem um iate, que é mérito dele. Então ele tem noção das coisas.

AS Não, não... acho engraçado quando o chamam de “menino Ney”. Acho muito engraçado. Neymar tem um filho, foi campeão da Libertadores e referência no Santos. Foi campeão da Champions, foi referência de um baita time do Barcelona. Vive em Paris. Teve que lidar com idiomas e pessoas diferentes, com educações diferentes, no Brasil, na Espanha, na França. Ele tem um crescimento humano natural que buscou e que a vida lhe ofereceu. Podemos chamá-lo de qualquer coisa exceto de menino. Não é um menino, não é um termo que caiba para ele.

Neymar é um gênio ou um farsante?

PCC (risos) Vou deixar um ponto de interrogação. Olha, honestamente, eu não torço pelo Brasil. Há dois dias, eu vi uma entrevista do pai do Neymar, e ele foi de uma indelicadeza com a jornalista. Ela questionou o pai do Neymar sobre a informação de que, no primeiro jogo do Brasil, havia realizado uma festa em um hotel de Sochi, onde a família estava hospedada. Ele disse que havia feito a festa com a mãe dela. E isso foi transmitido. Então eu acho que o comportamento do garoto é um reflexo da educação que ele recebe do pai.

AS Acredito que ele é um cara fora da curva, extrassérie, genial com a bola nos pés. Em termos de números, ele vai bater todos, inclusive os do Pelé, pela idade que ele tem, pela capacidade. Caso não tenha nenhuma lesão grave, chegar ao número de gols do Pelé é bem possível para ele, devido ao número de jogos de eliminatória, competições e amistosos. Talvez seja o nome maior de nosso esporte, que sempre vai enfrentar um comparativo com os que vieram antes, em todos os termos, em termos de posicionamento, cidadania, de entendimento do que ele representa, o tamanho dele. Levando para o lado principal, que é dentro de campo, é um extrassérie, um jogador genial, já comprovou isso no Santos, no Barcelona, em Paris e na Seleção. Com o peso que ele carrega e o peso que ele oferece, é normal que venham aí os questionamentos, e acredito que, por tudo que representa, ele tem condições de enfrentar isso.

Qual a diferença entre o Mbappé e o Neymar?

PCC O Mbappé não é nem maior de idade ainda (risos). Ele tem 19 anos ainda. Mas volta para a educação. É tudo educação. O Mpappé vem de origem pobre. Vem de uma favela. Então eu acho que a educação é fundamental, principalmente quando se atinge esse nível de nome, de popularidade e de dinheiro. Eu joguei na França durante muitos anos. Meus amigos africanos e eu montamos um time chamado Black Star. Não dá nem para comparar a educação deles com a dos nossos jogadores. Eles dão um banho na gente.

AS Eu não comparo os dois, não tenho como comparar. Primeiro que não conheço o Mbappé fora, e com o Neymar só estive duas ou três vezes, não mais do que isso. Agora, se levar para dentro de campo, não faço comparação: o Neymar está níveis acima do Mbappé — em minha visão, sem dúvida nenhuma, não cabe comparação. Feliz é o Paris Saint-Germain, com os dois no mesmo vestiário, tendo a chance de oferecer uma qualidade extraordinária para seu time.

É possível ser o melhor do mundo atuando na França?

PCC Tranquilamente. O Paris Saint-Germain é um dos grandes hoje do futebol francês. Além do dinheiro do xeque, foi um grande amigo meu quem formou, em 1974. Tem todas as condições. Tem muita coisa em jogo aí. O comportamento da pessoa. Durante um campeonato era aniversário do Cavani, que é um ídolo no PSG há muitos anos, e o Neymar tinha acabado de chegar. Teve um pênalti a favor do PSG e, se o Cavani quisesse cobrar, passaria o recorde do Ibrahimovic. E toda a torcida gritando para o Cavani bater, mas o Neymar foi lá e bateu o pênalti. Tudo depende do cara. Ele é um cara que precisa de ajuda, mas tem de querer ser ajudado. Não adianta nada ter dinheiro, nome e popularidade. Não adianta só isso.

AS Claro que é, não tenho dúvida. Se ele mantém um nível espetacular na Liga Francesa e eleva esse nível para a Champions League, não vejo por que não ser eleito. Mas é uma questão de nível e regularidade, principalmente nos jogos da Champions League.

Você acha que o Tite tem culpa pelo fracasso do Neymar?

PCC Total. A escola do Rio Grande do Sul está impregnada no futebol brasileiro. Teve o Felipão, depois o Mano Menezes, Dunga, veio o Felipão e Parreira de novo, o Dunga novamente. E, agora, trouxeram o Tite. Quando a pessoa dirige uma entidade como a Seleção, como a CBF, tem de ter muita responsabilidade. O Brasil ganhou cinco Copas do Mundo, então todos estão de olho. O técnico é o diretor-geral de tudo, ele tem o comando de tudo. Ele tem culpa por isso. Não conseguiu dominar o garoto mimado.

AS Todo treinador exerce influência em seu atleta. Mas eu acredito que é muito mais uma função de treinador de clube, que convive todo dia com o atleta, do que o treinador de seleção. Na Seleção, você tem poucos dias. Tite teve aí menos de dois meses com o pessoal. É óbvio que as pessoas sempre vão lembrar, “mas o Tite está há dois anos no cargo”, mas a Seleção funciona assim, você chega na segunda, joga um, dois jogos, e acaba indo embora. Você tem pouco contato e tem de criar um acesso, buscar um nível de liberdade para se expressar melhor com seu atleta. Ao longo do período, com certeza o Tite vai seguir tendo uma ascendência sobre ele, principalmente se seguir como técnico da Seleção. Mas a influência do treinador se dá muito mais no dia a dia, quando ele percebe se o jogador chega de um jeito, se amanhã já não chega tão bem, as coisas que se alteram no ambiente. Acredito que o Tite deva ter falado muita coisa para o Neymar, e o Neymar deva ter ouvido muita coisa fora do campo também. Independentemente de ser uma crítica destrutiva ou construtiva, importante é que ele absorva e observe aquilo que realmente cabe para ele, porque a tendência é que ele consiga jogar muito mais do que jogou até hoje e que como ser humano possa ser visto de forma diferente. A imagem dele saiu muito desgastada do Mundial, mas não é uma imagem definitiva. Depende muito mais dele do que de qualquer outra pessoa.


Daniela Pinheiro e Márvio dos Anjos, Epoca