Injustiças sociais, com renda concentrada e precários serviços públicos básicos fazem parte da imagem do país. Afinal, essas mazelas acompanham o Brasil há muito tempo.
Com a redemocratização, institucionalizada na Carta de 1988, pensava-se que o quadro social melhoraria. E melhorou, com o fim da hiperinflação herdada por Sarney da ditadura e o golpe certeiro que a alta dos preços recebeu do Plano Real, com Itamar Franco no Planalto e Fernando Henrique no Ministério da Fazenda. Mas controlar a inflação é necessário para combater a pobreza, porém não o suficiente.
Completam-se 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e o quadro social não melhora. Algo deu muito errado, mesmo com promessas de avanços, aumentos reais do salário mínimo, Bolsa Família e assim por diante. Uma pista para ter a resposta é admitir a possibilidade de que, seja o país governado pela direita ou esquerda, o Estado brasileiro, da forma como está estruturado, e sendo permeável à pressão de corporações, é ele mesmo a causa das injustiças sociais. Por funcionarem no seu interior engrenagens que privilegiam poucos — empresas e pessoas.
No enorme oceano de isenções e incentivos que o Estado distribui, para atender a lobbies diversos, o Bolsa Família, instrumento direto de distribuição de renda, é uma gota d’água.
Textos do Tribunal de Contas da União (TCU) elaborados para o processo de votação das contas do ano passado do governo Temer são assustadoramente reveladores: o total de incentivos tributários, financeiros e creditícios somou no ano passado o equivalente a 5,4% do PIB, tendo chegado há dois anos antes a 6,7%, e partido, em 2013, de 3%. O secretário da Receita, Jorge Rachid, disse, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, que a média mundial dessas transferências é de 2% do PIB.
Nem todo este dinheiro, equivalente a 30% da receita líquida da União, aparece no Orçamento. Há doações a empresários sem prazo delimitado de vigência. E a regra é a inexistência de qualquer sistema de avaliação das transferências. São bilhões do contribuinte distribuídos por força de grupos de pressão, sem estudos técnicos. Só para a Zona Franca de Manaus são R$ 25 bilhões em isenções, a perder de vista.
Este sistema é uma engrenagem que funciona distante da sociedade, para concentrar renda. E é composto de vários subsistemas. Nem ajuda a reduzir desequilíbrios regionais: a menor transferência per capita é para o Nordeste. A do Norte é elevada devido à Zona Franca (gráficos).
Outra parte deste mecanismo de injustiças é a Previdência, desbalanceada em favor do servidor público: enquanto a média das aposentadorias pelo INSS, do trabalhador na área privada, é de R$ 1.240, a do servidor público do Executivo federal chega a R$ 7.500 e, na casta do funcionalismo do Legislativo, a R$ 28 mil. Outra usina eficaz de concentração de renda.
A sempre aplaudida “política de valorização do salário mínimo” sequer arranha o problema, e ainda costuma ajudar a desequilibrar ainda mais as contas públicas. Praticar justiça social no Brasil requer um enorme trabalho que passa por uma reforma da Previdência para reduzir as disparidades entre servidor público e trabalhador privado, pela revisão de isenções, mas não só. É imperioso reformar o próprio Estado.
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