Propor publicamente violências sexuais contra crianças e mulheres por serem do círculo de Trump é um novo capítulo do discurso politicamente insano
Donald Trump raramente recua. Ao contrário, dobra as apostas. No caso dos imigrantes que tentam entrar clandestinamente nos Estados Unidos com filhos ou outras crianças, ele viu que não existia outra opção.
Aliás, todas as opções são dificílimas. Deixar as crianças com os pais ou acompanhantes que são processados por entrada ilegal exigiria alojamentos separados, sob risco de abusos contra os menores, como acontece nos abrigos para estrangeiros de países europeus.
Isolá-las em alas por idade, como foi feito desde o governo Bush, passando pelos 200 mil menores desacompanhados ou separados dos pais durante o governo Obama, cria o drama levado ao paroxismo nos últimos dias.
Quem suporta ver crianças chorando porque foram afastadas dos pais?
O endurecimento dessa política, diante do aumento de clandestinos em companhia de menores, foi explorado por todas as forças antitrumpistas até ninguém mais aguentar, nem o presidente.
Nas democracias, é exatamente assim que funciona: a oposição – partidos, personalidades conhecidas e cidadãos comuns – vigia o que o governo está fazendo. Se não bancar ou tiver razões irrenunciáveis, o governo recua.
A diferença é que o tom dos ataques foi de uma virulência nunca vista. Os cachorros loucos que vislumbraram uma oportunidade de quebrar as pernas de Trump num caso de alto teor emocional entraram num surto nunca visto de agressões verbais.
A epítome dessa virulência foi o ator Peter Fonda. Saindo de algum lugar de estupor psicodélico dos anos sessenta, ele fez as seguintes sugestões, devidamente “higienizadas”:
1.Barron Trump, o filho de 11 anos do presidente com Melania, deveria “ser arrancado dos braços da mãe e colocado numa jaula junto com pedófilos para ver se a mãe” se revolta contra o ****** do marido (detalhe: Melania já havia declarado que a separação de pais e filhos é errada). Melania chamou o Serviço Secreto.
2.”Noventa milhões de pessoas nas ruas no mesmo fim de semana em todo o país” deveriam cercar as escolas onde estudam filhos dos agentes do Serviço de Imigração. “Precisamos fazer os filhos deles ficar com medo.”
3. A secretária da Segurança Doméstica, Kristjen Nielsen, deveria ser “colocada numa jaula e espicaçada pelos transeuntes”. Fonda também acha que “a ***** deveria ser amarrada nua na Praça Lafayette e chicoteada pelos transeuntes enquanto é filmada para a posteridade”. A praça, claro, é em Washington.
4. A secretária de Imprensa, Sarah Sanders, também é uma ***** que “deveria ser deportada para o Arkansas”, com os filhos entregues a “Stephen Goebbels Miller”, o assessor e redator de discursos de Trump que, por sinal, é judeu.
Quando Donald Trump Junior respondeu que Fonda deveria enfrentar alguém do tamanho dele, não um menino de 11 anos, um dos seguidores do ator respondeu no Twitter: “Nós também vamos pegar Chloe Trump”. A filha de quatro anos do filho do presidente.
A comoção verdadeira com a situação de crianças que são separadas das famílias que deliberadamente correm esse risco foi cinicamente manipulada, como também faz parte do jogo.
Rachel Maddow, apresentadora de um canal a cabo, fez um teatro de lágrimas de crocodilo diante de uma notícia de separação de crianças de colo na fronteira.
A emoção só poderia ser considerada sincera se a altissimamente bem informada Rachel, com horas de programa inteiramente à sua disposição, tivesse manifestado sua revolta desde que, seguindo a lei, o governo de Barack Obama praticou durante oito anos o método da separação.
É claro que, entre a elite dos formadores de opinião, o objetivo é prejudicar qualquer projeto de lei que regulamente a situação dos imigrantes ilegais e aumente o controle na fronteira – um desejo da maioria do povo americano, inclusive eleitores democratas, demonstrado em diversas pesquisas.
Também é conveniente aos antitrumpistas acuar seu inimigo num momento em que aumentam os indícios de uma manipulação sórdida e ilegal, para prejudicar a eleição dele ou, na falta disso, desencadear um processo de impeachment.
A trama envolveu altos funcionários do governo Obama, a cúpula do FBI e dos serviços de inteligência.
A cada dia são revelados por comissões da Câmara e do Senado mais segredos sujos. A única forma de mudar o rumo dessas investigações seria uma derrota de candidatos republicanos na eleição de novembro próximo.
Trump é acusado de ter empurrado para baixo o nível do debate político com a tática de “dizer as verdades que ninguém tem coragem”. E, realmente, ele diz coisas que poucos políticos têm peito para falar – justamente por não ser político.
Nada se compara, nem remotamente, ao nível dos ataques contra ele. Humoristas de televisão, por exemplo, já disseram que Trump pratica uma modalidade sexual com Vladimir Putin, entre outras não-piadas do gênero, como se fossem críticas legítimas.
Apesar do estupor psicodélico, Peter Fonda tem advogados com a cabeça bem no lugar. Logo pediu desculpas sobre “algo altamente impróprio e vulgar a respeito do presidente e sua família”.
“Errei e não devia ter feito isso. Imediatamente me arrependi e pedi desculpas sinceras à família pelo que disse e por qualquer ofensa que minhas palavras possam ter causado.”
O juridiquês deve diminuir em alguma coisa o tamanho da indenização, se Trump optar, como faz habitualmente, por um processo. Mas não tira em nada a mácula de um homem de 78 anos que propugnou atos de violência sexual contra um menino de onze.
Para não mencionar os termos com que se referiu a mulheres. Já imaginaram ondas de protestos nas ruas contra um defensor de abusos hediondos?
Não, claro que não. Sob a ótica cretina das preferências políticas, mulheres e crianças só são “mulheres” e “crianças” quando é bom para um lado.
Por Vilma Gryzinski, Veja