Além de prejudicar as famílias causando escassez de produtos e aumento de preços, a paralisação dos transportes atrapalhou até o trabalho de quem elabora índices de inflação. A coleta de informações no fim de maio foi dificultada pela falta de produtos em supermercados, informou o gerente do setor de índices de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fernando Gonçalves. De toda forma, o primeiro impacto da greve dos caminhoneiros – e, segundo autoridades, do locaute de empresas transportadoras – ficou visível no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o número oficial usado como referência para a política econômica. A alta mensal do IPCA passou de 0,22% em abril para 0,40% em maio, com aceleração principalmente na semana final do mês passado.
O efeito da crise no transporte rodoviário é observável até mais facilmente na evolução do Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S), produzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Cobrindo um período de quatro semanas, esse indicador é atualizado semanalmente. As taxas apuradas nos períodos até 15, 22 e 31 de maio e 7 de junho foram de 0,24%, 0,33%, 0,41% e 0,70%.
Entre a última coleta do IPC-S divulgada do mês passado e a primeira publicada neste mês o ritmo de alta dos preços da alimentação saltou de 0,24% para 0,83%. É fácil entender por que o encarecimento de hortaliças e legumes passou de 9,13% para 12,83%. Como o abastecimento dessa classe de produtos é renovado com grande frequência, o efeito do bloqueio de estradas foi especialmente sensível.
Como o levantamento de dados para o IPCA foi concluído em 29 de maio, as consequências da interrupção dos transportes foram captadas certamente de forma incompleta. Ainda assim foi possível observar o impacto da crise nos preços de alguns produtos. O técnico Fernando Gonçalves citou como exemplos a cebola, a batata e as hortaliças. Também pesaram os aumentos da gasolina (3,34%) e do óleo diesel (6,16%), resultantes basicamente dos preços do refino.
A alta do dólar, acelerada nos últimos dois meses, vem afetado os preços por atacado, mas o repasse dos aumentos aos preços finais tem sido até agora limitado. A perspectiva de um impacto mais significativo já levou o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), a interromper o corte dos juros básicos em sua última reunião, nos dias 15 e 16 de maio. Especulou-se intensamente no mercado, nos últimos dias, sobre um possível aumento da taxa básica, a Selic, na próxima reunião, prevista para 19 e 20 de junho. O presidente do BC, Ilan Goldfajn, deu uma resposta previsível, mas insuficiente para fundamentar uma aposta segura quanto à decisão do Copom.
A política monetária, disse Goldfajn, continuará subordinada às expectativas de inflação. A resposta às oscilações do câmbio permanecerá, em princípio, em território separado. Por enquanto, o BC procura atenuar a instabilidade cambial por meio da oferta de dólares em operações de swap. Como a alta do dólar se intensificou recentemente, a escala das intervenções foi ampliada. Com reservas de cerca de US$ 380 bilhões, a autoridade tem fôlego para sustentar esse jogo por um tempo razoável.
Mas os dois assuntos – câmbio e inflação – podem juntar-se novamente, se as projeções atualizadas apontarem um efeito mais forte, e mais perigoso, da alta do dólar sobre a evolução dos preços. Nesse caso, o Copom terá uma forte razão para elevar os juros. Essa razão estará diretamente vinculada à inflação e indiretamente à desvalorização do real, atribuível em parte a fatores externos (como a alta de juros nos Estados Unidos) e em parte a fatores políticos internos.
Até agora, os dados do IPCA estão longe de ser assustadores. A alta ficou em 1,33% no ano e em 2,86% em 12 meses, ainda abaixo do limite inferior (3%) da meta de inflação. Especialistas do mercado têm reafirmado projeções inferiores a 4% para este ano. Mas a incerteza política, especialmente eleitoral, um dos fatores da alta do dólar, permanece, pode crescer e ainda é difícil calcular seus piores efeitos.