Com o dólar nas alturas, empresas do setor de turismo já esperam um aumento de até 20% nas viagens domésticas ao longo do segundo semestre e até nas férias de fim de ano. É que o câmbio desfavorável para quem planeja roteiros para o exterior já está fazendo brasileiros trocarem os dias de descanso lá fora por outro programa dentro do Brasil ou em destinos mais próximos, como América do Sul e Caribe.
- Toda vez que o dólar sobe muito, os brasileiros revisam seus planos de viagens para as férias. Para reduzir custos, muitos turistas reduzem a estada lá fora ou optam por viajar pelo Brasil ou em outro lugar mais próximo, como América do Sul. Já vivemos outros períodos de crise e real desvalorizado, mas, desta vez, o viajante parece estar ainda mais cauteloso, pela incerteza na política e na economia. Então, a melhora está sendo mais lenta do que das outras vezes — explica Geraldo Rocha, presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav).
O entrave para quem planeja uma viagem em dólar, no entanto, é, principalmente, financeiro. Entre 25 de janeiro, ponto em que o dólar teve a cotação mais baixa este ano, e o último dia 7, a moeda americana saltou de R$ 3,139 para R$ 3,968, considerando o dólar comercial como referência. É avanço superior a 26%. De lá para cá, já houve redução, tendo fechado nesta sexta-feira a R$ 3,784. No dólar turismo, contudo, usado por quem vai viajar, a moeda americana a R$ 4 já é realidade.
MAIS VIAGENS PARA O NORDESTE E PARA RESORTS
Quando a moeda americana decola, as viagens internacionais feitas por brasileiros aterrissam. Em 2015 e 2016, a apreciação do dólar derrubou os gastos de nossos turistas no exterior para US$ 17,3 bilhões e US$ 14,4 bilhões, respectivamente. Um tombo e tanto considerando os US$ 25,5 bilhões registrados em 2014, segundo dados compilados pelo Ministério do Turismo (MTur). No ano passado, quando o real apresentou valorização, essa soma voltou a crescer, alcançando US$ 19 bilhões.
O contador carioca Luiz Carriço, de 43 anos de idade e morador do Maracanã, Zona Norte do Rio, está entre os que adaptaram o projeto de férias da família que, este ano, vai trocar a viagem para a Disney, nos Estados Unidos, pela visita ao Beto Carrero World, em Santa Catarina:
— Vou em setembro com meus filhos, de 6 e 9 anos, e com minha mulher para o Beto Carrero. O ideal seria ir para a Disney, mas, com a alta do dólar, nós preferimos ficar aqui no Brasil mesmo.
Mesmo com a mudança de destino, diz Carriço, a viagem ainda pesou no orçamento familiar:
- Infelizmente, viajar dentro do Brasil não é tão barato quanto deveria ser - avalia ele.
De olho na oportunidade que a valorização da moeda americana traz para o turismo no país, o MTur lançou uma grande campanha para estimular viagens domésticas.
A terapeuta Ana Maria da Silva, de 63 anos, moradora de Maricá, Região Metropolitana do Rio, também mudou seus hábitos de viagem.
- Antigamente, eu fazia sempre duas viagens por ano. Hoje em dia, por causa da crise e do dólar mais alto, só faço uma. Destino internacional, nem pensar.
Rocha, da Abav, conta que as viagens programadas para estas férias de julho foram mais preservadas, já que são preparadas com maior antecedência, ainda assim houve efeito do câmbio.
- Também para este mês de julho, vimos passageiros decidindo mudar o destino ou reduzindo o tempo de viagem. Com esse movimento, o que veremos é o aquecimento das viagens no Brasil, sobretudo para destinos do Nordeste, além de Gramado, na Serra Gaúcha. Roteiros pela América do Sul, como Argentina, também vão crescer - diz ele.
As operadoras de turismo também já relatam a mudança no comportamento do consumidor brasileiro na hora de planejar as férias, cada vez mais disposto a fazer ajustes no roteiro mas sem desistir do projeto:
- O brasileiro não deixa mais de viajar, mesmo quando o câmbio oscila. Ele já incorporou esse hábito ao longo dos anos de expansão econômica e não abriu mão dele na recessão. Com o dólar subindo, nas viagens internacionais, ele adapta seus planos para que caibam no bolso — destaca Emerson Amaral, diretor de vendas da Flytour MMT Viagens.
‘Para reduzir custos, muitos turistas reduzem a estada lá fora ou optam por viajar pelo Brasil ou outro lugar mais próximo’
- GERALDO ROCHAPresidente da Abav sobre a alta do dólar
Ele já espera alta nas vendas de pacotes nacionais daqui para frente:
- Esperamos um aumento de 15% nas vendas de viagens domésticas. Hoje, as vendas estão equilibradas entre destinos nacionais e internacionais. Nos próximos meses, essa divisão deve pesar a favor dos roteiros domésticos, que podem subir para 60% do total — explica o executivo.
Destinos do Nordeste e os resorts brasileiros vão sair ganhando enquanto o real estiver em baixa, impulsionados por quem desistiu de passar as férias no exterior, mas conta com orçamento maior para descansar sem deixar o país.
A Associação Brasileira de Resorts (ABR), que reúne 48 empreendimentos no país, confirma a estimativa de Amaral, apostando em alta na ocupação.
- Já temos um movimento de crescimento, puxado também pelo reaquecimento das atividades no segmento de congressos e eventos. Com o dólar encarecendo, recebemos hóspedes que deixaram de fazer viagens internacionais. Foi assim no início de 2016, por exemplo. E esperamos repetir este ano o mesmo movimento, com crescimento de 20% — destaca Alberto Cestrone, diretor presidente da entidade.
MUDANÇA DE DESTINO INTERNACIONAL
Adriano Gomes, diretor geral de vendas da CVC no Estado do Rio, destaca que a desaceleração nas vendas de pacotes internacionais é visível, ponderando que não chega a haver retração no total porque muitos turistas acabam optando por outro destino no exterior.
- Neste momento, temos vendas para destinos em que a alta do dólar afeta menos o custo da viagem. Mas, no primeiro trimestre (dado mais recente), vendemos 25% mais pacotes internacionais, e o dólar já estava subindo. E essa taxa deve continuar positiva por causa dos destinos substitutos no exterior. Por exemplo, há um crescimento acima do previsto de vendas de roteiros para a América do Sul, como Bariloche - explica ele.
Tradicionalmente, perto de 60% das vendas da CVC são de pacotes nacionais; o restante, de internacionais. Para Gomes, contudo, essa proporção deve se manter, já que o ajuste pode acontecer dentro dos destinos internacionais.
Glauce Cavalcanti e Ana Carolina Santos, O Globo